São Paulo, quinta-feira, 18 de janeiro de 2007

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JOSÉ ROBERTO TORERO

Eu sou um viciado


Após um começo inocente, estou me afundando e fico de madrugada acordado, olhos vidrados, usando a coisa


ISSO MESMO , vicioso leitor e viçosa leitora: eu sou um viciado. Chegou a hora de me confessar, de me abrir com meus três leitores.
E a verdade é que há algumas semanas eu sou um viciado. Tudo começou inocentemente. Valter, meu concunhado, ofereceu-me a droga. Só por diversão, só para experimentar, eu aceitei. Pensei que provaria apenas aquela vez e que nunca mais veria a coisa. Mas qual o quê? Dois dias depois eu já procurava Valter e pedia mais uma dose. O pior é que não parei por aí. Em poucos dias, descobri onde comprar eu mesmo a coisa, e então já não dependia mais de meu concunhado. Passei a consumir a droga sozinho. Logo descobri que a droga existia há um bom tempo e eu não era o único viciado.
Meu primo Carlos estava muito mais dependente do que eu. Muito mais. Sabia como usar a droga de vários jeitos. E Basílio, velho amigo, estava ainda pior: ele se encontrava com mais seis ou sete sujeitos da nossa idade e ficava na casa de um deles consumindo a coisa por horas e horas seguidas. Simplesmente não conseguiam voltar para casa.
A coisa chegou a tal ponto que sua mulher descobriu o covil em que estavam, foi até lá e fez escândalo. Disse que homens daquela idade deviam ter mais responsabilidade, que ele tinha filhos para criar e não podia se entregar àquilo até altas horas. Triste cena... Entrei na internet para ver se havia mais viciados. Sim, há. Muitos.
Milhares.
E eles trocam informações de como usar melhor a coisa. O uso desta droga alastrou-se tanto que já é uma questão de saúde pública, uma epidemia!
De minha parte, estou me afundando mais e mais. Ontem mesmo fiquei até as 3h40 da manhã acordado, de olhos vidrados, usando a coisa. Ela me deixa feliz, excitado e, mal acabo de usá-la, já quero outra vez.
Isso já começa a atrapalhar meu trabalho. Estou escrevendo um livro novo, mas tenho deixado-o de lado por conta desta droga maldita. Minha editora pensa que estou com um bloqueio criativo.
Não, cara Isa, é vício mesmo. E confessá-lo é o primeiro passo para a cura. Cura que não sei se desejo. Antes que este texto seja mal interpretado, é preciso esclarecer uma coisa: esta perversa droga não tem nada a ver com bolinhas, mas tem bola. Não tem nada a ver com crack, mas tem craques. Chama-se "Winning Eleven" e é jogado no PlayStation. É um game de futebol em que você escala os times, compra e vende atletas e pilota os jogadores. Você pode jogar com o Arsenal de Henry, com o Barcelona de Ronaldinho ou com o Santos de Rodrigo Tiuí. Pode jogar com dezenas de seleções e há vários tipos de campeonato.
Os jogadores se movem com uma perfeição sensacional. Para quem, como eu, é do tempo do "Telejogo", isso é uma evolução impensável. Naquele tempo havia apenas um botão. Se não me engano, o "Winning Eleven" usa nove botões. Nove! Mais um e o Lula não poderá jogar. É inevitável a comparação do "Winning Eleven" com o velho e tradicional botão. E há vantagens e desvantagens. Vantagens: os movimentos do jogo são muito bonitos e você pode praticar sozinho.
Desvantagens: o jogo de botão é menos aleatório, depende menos da sorte, do acaso. Pode ser saudosismo meu, mas me parece que minha droga da adolescência tem uma pequena vantagem sobre este vício moderno. Mas chega de escrever por hoje. Preciso de outra dose, e daqui a pouco meu Japão vai enfrentar o Brasil na final da Copa. Banzai!

torero@uol.com.br


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