São Paulo, domingo, 18 de março de 2007

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JUCA KFOURI

O clássico que não terminou

Santos e São Paulo fizeram um jogo que parece só acabar quando ambos decidirem o Campeonato Paulista

HOUVE UM ANO , o de 1968, que não terminou. História muito bem contada pelo jornalista Zuenir Ventura em livro cujo título é exatamente "1968, o ano que não terminou", da editora Nova Fronteira.
Vivíamos então, nós, os mais experientes, a violência do AI-5 no país. E as barricadas dos estudantes franceses: era proibido proibir. Na flor dos 18 anos, por pior que fosse e, acredite, era o Brasil que tínhamos, impossível não ter saudades daqueles anos que também foram chamados de dourados.
Amávamos, a maioria, os Beatles e, a minoria,... os Rolling Stones. Mas o assunto aqui é futebol, e apenas ficou difícil não lembrar das quase exatas quatro décadas atrás ao refletir sobre a continuação do empate do último domingo na Vila Belmiro, entre Santos e São Paulo. O melhor jogo do ano virou uma novela repleta de maus atores. Símbolo melhor não poderia haver do que a latrina atirada na torcida por algum maluco. Maluco anônimo, mas não faltaram outros, identificados como cartolas, técnico, jogadores e moleques da mídia.
Todos mais preocupados em botar lenha na fogueira do que água na fervura, incapazes de perceber o quanto estimulam os que fazem do futebol meio de morte. Ora, é claro que o Santos tem todo o direito de querer jogar no seu estádio, desde que dê condições de segurança aos que lá forem. Algo que não tem dado, recordista de interdições que tem sido a Vila, um dia conhecida por ser "a mais famosa do mundo". Uma coisa é julgar se a Vila pode ser palco dos próximos jogos depois do que aconteceu no clássico, pois a punição parece inescapável. Outra é resolver que lá não pode ser decidido um campeonato e ponto final. Não está certo.
Até porque a alternativa Pacaembu corre os mesmos riscos, gramado manchado de sangue por tantos incidentes recentes. Como não fará nenhum sentido, por exemplo, que o Morumbi seja palco de finais que reúnam, digamos, Paulista e Noroeste. É verdade, também, que a chiadeira santista perde a razão quando se sabe que sua direção concordou com um regulamento que dá à FPF o direito de escolher os locais das finais, porque o que é combinado não é caro nem barato.
Como é indiscutível que o Morumbi só é campo neutro quando o São Paulo não está envolvido, por razões óbvias, muito embora o tricolor tenha perdido decisões de todos os tipos em seu estádio, de campeonatos estaduais a brasileiros, além de uma Libertadores. Bate-boca entre cartolas iguala joio e trigo, assim como a vaidade tentada pelos holofotes da audiência fácil deve ser reprimida em nome da paz nos estádios se, de fato, a queremos com todas as forças. Certamente não é o drible do jogador habilidoso que deve ser reprimido, nem o erro comum da arbitragem precisa ser estigmatizado.
O que não cabe é o botinudo irresponsável, o xerife tresloucado e o comandante demagógico. Os jogos que todo amante do bom futebol quer ver na decisão do Campeonato Paulista assumiram uma feição assustadora. Quem segurará a barra se, de novo, como parece fatal, Santos e São Paulo se cruzarem? Neste cipoal de insensatez, uma frágil voz feminina se distingue das demonstrações de machismo explícito com uma frase singela: "Sim, eu errei". E a autora da delicadeza, exatamente ela, é a única punida até aqui, a auxiliar Ana Paula Oliveira. Há algo de podre no reino do futebol, e, enquanto não se estabelecer penas severas pelos delitos de violência no esporte, nada terminará bem. Porque não adianta simplesmente proibir por proibir.

blogdojuca@uol.com.br


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