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JOSÉ GERALDO COUTO
Neto sem filtro
Em entrevista para um novo filme sobre o Corinthians, o craque, hoje comentarista, revela todas suas contradições
NO FIM de semana do duelo
entre os meias Douglas, do
Corinthians, e Hernanes, do
São Paulo, vale a pena lembrar outro
camisa 10 que defendeu com brilho
ambos os clubes, duas décadas atrás.
Estou falando de Neto, hoje o comentarista esportivo mais impagável da televisão brasileira.
É que me caiu nas mãos um DVD
com uma longa entrevista do ex-jogador, da qual só uma parte será
aproveitada no documentário "23
Anos em 7 Segundos", que o roteirista e cineasta Di Moretti está concluindo, a respeito do título paulista
de 1977 que pôs fim ao mais longo jejum corintiano.
"Eu jogava pra c...", diz Neto a certa altura, com sua riqueza vocabular
característica. De fato, jogava. Estilisticamente, estava mais próximo
de Douglas do que do versátil Hernanes. Corria pouco, mas colocava a
bola onde queria. Como Gérson,
atuava mais com o cérebro do que
com os músculos. Também como
Gérson, era um antiatleta, que fumava até nos intervalos dos jogos.
Neto vivia em conflito com a balança, o que explica em parte seu
modo de atuar e sua carreira truncada. Tem a mesma idade de Romário,
que parou de jogar outro dia mesmo.
Mas, quando pensamos em Neto,
parece um futebolista de outra era.
Mais que isso: é um homem de outra era, pelo que se vê na tal entrevista. Passional e afetuoso, explosivo e
sutil, petulante e generoso, tudo ao
mesmo tempo, Neto é um poço de
contradições, alguém que se entrega
de modo transparente, sem o cálculo e a hipocrisia que modula o comportamento das celebridades do
nosso tempo.
No depoimento, admite que não
foi um bom profissional, confessa
que se masturbava antes de cada
partida ("para entrar em campo relaxado") e diz que, em sua fase áurea,
"mandava no Corinthians". Diz dois
palavrões a cada três palavras. Imagino o esforço que faz para se conter
no trabalho na TV e no rádio. Mas o
que há de mais cativante na conversa de Neto é o que ela revela de amor
ao futebol, de paixão pelo Corinthians e de respeito por todos os
profissionais envolvidos no esporte.
Alvinegro fanático desde a infância, Neto, que só chegou à quarta série primária, leu tudo o que pôde sobre a história do clube. Ficou chocado ao descobrir, quando estava no
Corinthians, que um dos antigos
ídolos que ele reverenciava, Teleco,
era o velhinho que tirava o pó da sala
dos troféus do Parque São Jorge.
Tornou-se amigo de Baltazar e Luizinho, a quem levava pessoalmente
as camisas que o fornecedor de material esportivo mandava periodicamente ao clube.
Esse mesmo amor filial ou fraterno vem à tona quando Neto fala de
um roupeiro, uma cozinheira ou um
companheiro de time esquecido. Seguro de seu lugar no panteão corintiano, ele não cessa de exaltar outros
expoentes da história alvinegra. Para ele, jogadores como Basílio, Wladimir e Marcelinho Carioca deveriam ser homenageados com camisas especiais pelo que fizeram ao
clube. Assino embaixo, e acrescento
um nome: Neto.
Em tempo: o documentário "23
Anos em 7 Segundos" deve ser lançado em julho nos cinemas e algumas semanas depois em DVD. Tomara que a entrevista de Neto saia
na íntegra nos extras.
jgcouto@uol.com.br
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