São Paulo, sábado, 18 de abril de 2009

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JOSÉ GERALDO COUTO

Neto sem filtro

Em entrevista para um novo filme sobre o Corinthians, o craque, hoje comentarista, revela todas suas contradições

NO FIM de semana do duelo entre os meias Douglas, do Corinthians, e Hernanes, do São Paulo, vale a pena lembrar outro camisa 10 que defendeu com brilho ambos os clubes, duas décadas atrás. Estou falando de Neto, hoje o comentarista esportivo mais impagável da televisão brasileira.
É que me caiu nas mãos um DVD com uma longa entrevista do ex-jogador, da qual só uma parte será aproveitada no documentário "23 Anos em 7 Segundos", que o roteirista e cineasta Di Moretti está concluindo, a respeito do título paulista de 1977 que pôs fim ao mais longo jejum corintiano. "Eu jogava pra c...", diz Neto a certa altura, com sua riqueza vocabular característica. De fato, jogava. Estilisticamente, estava mais próximo de Douglas do que do versátil Hernanes. Corria pouco, mas colocava a bola onde queria. Como Gérson, atuava mais com o cérebro do que com os músculos. Também como Gérson, era um antiatleta, que fumava até nos intervalos dos jogos.
Neto vivia em conflito com a balança, o que explica em parte seu modo de atuar e sua carreira truncada. Tem a mesma idade de Romário, que parou de jogar outro dia mesmo.
Mas, quando pensamos em Neto, parece um futebolista de outra era. Mais que isso: é um homem de outra era, pelo que se vê na tal entrevista. Passional e afetuoso, explosivo e sutil, petulante e generoso, tudo ao mesmo tempo, Neto é um poço de contradições, alguém que se entrega de modo transparente, sem o cálculo e a hipocrisia que modula o comportamento das celebridades do nosso tempo.
No depoimento, admite que não foi um bom profissional, confessa que se masturbava antes de cada partida ("para entrar em campo relaxado") e diz que, em sua fase áurea, "mandava no Corinthians". Diz dois palavrões a cada três palavras. Imagino o esforço que faz para se conter no trabalho na TV e no rádio. Mas o que há de mais cativante na conversa de Neto é o que ela revela de amor ao futebol, de paixão pelo Corinthians e de respeito por todos os profissionais envolvidos no esporte. Alvinegro fanático desde a infância, Neto, que só chegou à quarta série primária, leu tudo o que pôde sobre a história do clube. Ficou chocado ao descobrir, quando estava no Corinthians, que um dos antigos ídolos que ele reverenciava, Teleco, era o velhinho que tirava o pó da sala dos troféus do Parque São Jorge.
Tornou-se amigo de Baltazar e Luizinho, a quem levava pessoalmente as camisas que o fornecedor de material esportivo mandava periodicamente ao clube. Esse mesmo amor filial ou fraterno vem à tona quando Neto fala de um roupeiro, uma cozinheira ou um companheiro de time esquecido. Seguro de seu lugar no panteão corintiano, ele não cessa de exaltar outros expoentes da história alvinegra. Para ele, jogadores como Basílio, Wladimir e Marcelinho Carioca deveriam ser homenageados com camisas especiais pelo que fizeram ao clube. Assino embaixo, e acrescento um nome: Neto.
Em tempo: o documentário "23 Anos em 7 Segundos" deve ser lançado em julho nos cinemas e algumas semanas depois em DVD. Tomara que a entrevista de Neto saia na íntegra nos extras.
jgcouto@uol.com.br


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