São Paulo, domingo, 18 de agosto de 2002

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FUTEBOL

Sonho dominical

AQUILES RIQUE REIS
ESPECIAL PARA A FOLHA

O futebol brasileiro um dia caiu da cama e acordou falido. Enquanto persistiu a farra com o dinheiro vindo de empresas que pareciam desconhecer a realidade do nosso esporte mais popular, os dirigentes fartaram-se com o dinheiro dos clubes e fizeram barbaridades com a grana alheia.
O dinheiro, que deveria servir para tornar melhor não só o time de futebol -como também o esporte amador dos clubes escolhidos para ostentarem a logomarca dos donos do dinheiro-, sumiu. Escafedeu-se em contas bancárias abertas aqui ou em algum paraíso fiscal, em nome de "laranjas" que acobertavam a identidade dos cartolas de colarinho branco e sujo. A grana encolheu, garfada que foi pelas comissões malandramente ilegais, subtraída da compra e da venda estapafúrdias de atletas. Só que a mina dos patrocínios milionários secou.
Desde a gestão do Zico, no governo Collor, passando pela do Pelé, no governo FHC, temos visto movimentos feitos na direção da moralização do futebol. Leis e CPIs foram criadas, mas deformadas pela famigerada "bancada da bola" no Congresso. Boas intenções desabaram diante dos interesses daqueles que não conseguem se imaginar vivendo longe das fartas tetas das federações e da confederação, que espalham negociatas e mamatas aos quatro ventos. Aos poucos os cartolas transformaram a nossa paixão em um negócio sórdido, onde o que menos interessa é o futebol.
Isso obrigou alguns dirigentes a se refugiarem em um mandato parlamentar, às custas do voto inocente de torcedores fanáticos, visando única e exclusivamente uma imunidade que os proteja de possíveis investidas da Justiça. Até hoje os corruptos tiveram êxito nos seus esforços para driblarem a moralização e os nossos olhares incrédulos. Até quando?
Recentemente foi enviado à Câmara o projeto de lei elaborado pelo ministro do Esporte, Caio Carvalho, que tem como objetivo recolocar o futebol dentro do campo da decência e da legalidade. Na última terça, tomaram posse em Brasília os 18 membros que formam o Conselho Nacional dos Esportes. Recentemente surgiu também o Código de Defesa do Torcedor, que reza direitos óbvios, mas nem por isso assegurados a nós, cidadãos, como garantir a quem levar a família ao estádio, o direito à segurança e conforto, para que todos possamos usufruir em paz o direito sagrado ao lazer. O esporte precisa ser protegido, por uma legislação moderna e abrangente, da ganância das velhas raposas escondidas em seus castelos de cartas. Sem leis, ganha o corrupto impune. Com leis, ganhamos nós, torcedores.
Enquanto isso, forçados pela situação de penúria que eles mesmos causaram, os dirigentes fazem cara de que não é com eles e reduzem as folhas de pagamento dos times. Caso típico do chamado mal que vem para o bem. Sem os salários astronômicos pagos às grandes estrelas, os times retomam uma prática tão antiga quanto salutar, voltando-se para a prata da casa: aqueles meninos que dão a vida para demonstrar seu amor pela camisa que vestem. Que vão na bola como quem vai num sanduíche de mortadela. Que dão o sangue pela vitória.
É por essa moçada jovem e inexperiente, mas com muita disposição e preparo físico, que nós cantaremos nossos hinos. Esses atletas quase sem barba, e que ainda chamam o treinador de "professor" -aliás, esta forma de tratamento é de um ridículo sem fim-, poderão fazer com que alcancemos o céu, conquistando o título ou que desçamos ao fundo do poço da tristeza, reservado aos que lutam para não ficar entre os últimos, aqueles que "teoricamente" (digo "teoricamente" pois, infelizmente, a mesa sempre pode ser virada) descerão para a segunda divisão. É neles que depositamos nossa esperança.
Neste segundo domingo de Brasileiro, os torcedores dos garotos do Flamengo, do Corinthians, do Vasco, do Santos, do Paysandu e de outras equipes armadas a partir de jovens valores, continuarão a sentir essa mudança. Eles perceberão que têm diante dos olhos um futebol diferente, pentacampeão mundial, sim, só que com a cara do verdadeiro futebol brasileiro, aquele que acostumamos a deixar que nos encante.
Torço para que a lei entre logo em vigor, para que alguns cartolas sejam presos e para que logo mais os meninos do meu time ganhem jogando tão bonito como um dia de sol.


Aquiles Rique Reis, 54, músico, integrante do MPB4 e flamenguista de coração, lançará neste ano o livro de contos "Contando e cantando Histórias e canções para todas as idades", que trará encartado o CD "Toda canção é de ninar".

Tostão, em férias, volta a escrever neste espaço em 4 de setembro.


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