São Paulo, segunda-feira, 18 de agosto de 2008

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O dono da bola

APÓS ENFRENTAR VÁRIAS LESÕES, BRASILEIRO SE FIRMA NO FUTEBOL CHINÊS E VIRA ÍDOLO DO CAMPEONATO LOCAL

FÁBIO SEIXAS
ENVIADO ESPECIAL A PEQUIM

"Tiya Ge" fez só duas partidas como profissional no Brasil. Foi no Paulista de 2000, pelo União Barbarense. Daí, quebrou o dedinho e, antes de voltar ao time, foi parar na China. Hoje é camisa 9 do clube da capital, o Beijing Guoan. E ídolo.
É tema de reportagem na edição deste mês da "Beijinger", revista mais pop da capital chinesa: "Ele se tornou algo como um favorito da multidão desde que mudou para Pequim, em 2007. Em sua primeira temporada, conseguiu assegurar o vice-campeonato na Superliga chinesa, a melhor posição da equipe desde a criação do campeonato, em 2004".
É, para os fãs chineses, "Tiya Ge" -pronuncia-se "Tiagã".
"Eles não conseguem falar meu nome", diz Tiago Jorge Honório, 30, nascido em Americana, interior de São Paulo, e que começou a jogar pelo clube da cidade vizinha, a Santa Bárbara d'Oeste de César Cielo.
Enfrentou Rio Branco e América, fez dois gols e então quebrou o dedinho do pé direito ao pisar num buraco, num treino. Ele ainda não sabia, mas estava encerrada sua experiência no futebol brasileiro.
"Enquanto estava me recuperando, um empresário negociou com o clube pra me trazer pra China. Mas quando cheguei aqui não era nada do que ele tinha prometido. Não havia nada acertado, só testes", conta.
Tiago passou duas semanas no Chengdu Wuniu, da segunda divisão. Não ficou. Passou duas semanas no Shanghai Shenhua, da elite. Não ficou. O próximo teste foi no Shenzhen Ping'an, também da primeira divisão. Ficou por quatro anos.
Até o fim da temporada de 2003, marcou 44 gols. No campeonato, o melhor resultado do seu time foi o segundo lugar, em 2002. E Tiago então achou que era hora de mudar de ares.
E foi o que ele mais fez.
Primeiro, tentou o Japão. Defendeu o Sanfrecce Hiroshima, mas uma fratura por estresse na canela o mandou para o Brasil. Ganhou um pino de platina na perna esquerda, passou 2005 se recuperando e, em 2006, retornou à China, no Shanghai United.
Por pouco tempo. Sofreu outra fratura por estresse, desta vez na canela da perna direita, e ganhou outro pino no Brasil.
Em 2007, foi parar no Beijing Guoan mas logo voltou a sentir dores. Foi para São Paulo, perdeu os pinos e voltou para a China. Neste ano, enfim, faz uma temporada completa. E experimenta status de ídolo.
"Nunca tinha jogado num clube grande. Agora estou sentindo como é isso. A imprensa critica, cobra. Os torcedores sempre pedem pra tirar foto."
Segundo ele, o futebol chinês melhorou, mas ainda há muito a fazer. "Ainda é um jogo de muita força e pouca técnica. Eles precisam fazer como o Japão e trazer uns jogadores conhecidos para divulgar o futebol. O problema é que a China não se abre nem no futebol."
Segundo Tiago, alguns clubes até tentam contratar técnicos estrangeiros, mas mantêm chineses nas comissões técnicas como uma espécie de controle. "O treinador diz uma coisa, o auxiliar vai lá e pede pra fazerem do jeito chinês", afirma.
O atacante também foi obrigado a fazer coisa parecida quando estava no Shenzhen.
O técnico era chinês e ainda havia um marroquino, um namíbio e um sérvio na equipe. Para essa turma, o tradutor convertia as instruções para o inglês. Idioma que Tiago nem sequer arranhava. "Aí, eu fazia o que sabia, que dava na telha."
Outra barreira para o futebol chinês é a corrupção motivada por um vício no país, as apostas.
Acusações de compras de resultados já fizeram algumas grandes empresas, Siemens e Coca-Cola entre elas, desistirem de patrocínios vultosos.
Obstáculos que não incomodam. Tiago faz planos de continuar no país até o fim da carreira. "Primeiro quero garantir o futuro dos meus filhos. Aqui, tenho nome. O Brasil é ilusão."


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