São Paulo, sábado, 18 de dezembro de 2010

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RITA SIZA

Para meninos de coro


Para o sr. Blatter, o ideal era que só embarcassem para a Copa no Qatar os meninos de ar angelical

O PRESIDENTE do Irão, Mahmoud Ahmadinejad, já tinha garantido que homossexualidade era coisa que não havia lá no país dele.
Parece que no Qatar também não há.
Ou pelo menos não vai haver no país árabe durante o Campeonato do Mundo de futebol de 2022, por conselho do senhor Sepp Blatter, presidente da Fifa.
Numa declaração surpreendente e verdadeiramente inqualificável, este dirigente de profunda sensibilidade esclareceu à imprensa mundial que os adeptos de futebol que por acaso também sejam homossexuais não estão impedidos de viajar para o Qatar para acompanhar as suas seleções, mas convinha que se "abstivessem" de práticas sexuais, que são proibidas por lei no país.
É uma filosofia interessante, quiçá inspirada no "Don't Ask, Don't Tell" do Exército dos Estados Unidos, que deixa os seus soldados serem gays à vontade, desde que não façam nada e não digam nada a ninguém.
Mas nem mesmo o Pentágono consegue justificar a aplicação da sua política, que, além de manifestamente discriminatória, é um obstáculo ao recrutamento e à eficácia da máquina militar.
A Fifa, ficamos agora a saber, é altamente respeitadora dos costumes locais de cada país. Em Roma, sê romano, ouvimos nós dizer, mas eu pergunto-me: teremos mesmo que seguir essa velha máxima quando ela obriga a um tratamento desigual entre seres humanos, ao aviltamento e à humilhação de uns para aplacar os preconceitos de outros?
Devemos ser retrógrados e esquecer as nossas conquistas civilizacionais por um punhado de petrodólares?
Com certeza, para o senhor Blatter, o ideal era que só embarcassem para o Qatar os meninos de coro, de ar angelical e comportamento impoluto.
Mas, como temo que isso seja impossível, deixo aqui à sua consideração algumas outras sugestões de conselhos que a Fifa pode lembrar aos adeptos antes de seguirem para o emirado.
Àqueles que gostam de beber umas cervejinhas, recomenda-se o máximo recato: que bebam, mas não muito e nunca em público.
As meninas devem absolutamente abster-se de envergar minissaia ou biquíni.
E, indiferentes às temperaturas entre os 30 e os 50 graus centígrados, optar por túnicas protectoras, da cabeça aos pés.
Ah, e nada de vuvuzelas, não vá o barulho inadvertidamente confundir alguém com o toque da chamada para as orações.


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