São Paulo, sexta-feira, 19 de janeiro de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

XICO SÁ

Adivinha quem veio para o almoço


Inaugurei a volta do futebol na Rua Javari e estou certo de que o Juventus irá aprontar para cima dos times grandes


AMIGO TORCEDOR, amigo secador, a fissura era tanta pela volta do futebol profissa que me mandei, logo depois da sagrada feijoada completa, para a Rua Javari, ver a estréia do Juventus.
A costela amada, devota de uma sesta de conchinha, colherzinha, xingou-me, esperneou, fez papel de louca, prometeu greve de sexo, mas não teve jeito. Às 15h em ponto o doente que vos seca estava lá, testemunhando o embate do Moleque Travesso com o Rio Branco.
O time do uniforme mais bonito do Paulista jogou como quem assobia e chupa cana, desfilou em campo como uma Gisele na passarela, chamou a bola de "mon amour meu bem ma fame", deu trivelas, mostrou-se como uma coquete, meteu três e guardou outros tantos na poupança, para não faltar mais adiante. Anotem aí: o Juventus do professor Pasquale, que sempre corrigiu os erros do meu português ruim, vai aprontar, como reza a tradição da Mooca, para cima de Santos, São Paulo, Palmeiras e Corinthians.
Para evitar novas choramingas da patroa, que ameaçou até chamar o amigo urso para a sesta, fui direto ver Barueri e Peixe, arrastando-me lentamente pelas ruas, entre cervejas e a arte rebuscada de chutar tampinhas, manha que aprendi com o amigo João Antônio, o homem que sabia todos os segredos e os mistérios que se encerram numa esquina. O Santos jogou para o gasto e contou com a sorte, para azar dos secadores que seguravam o empate. Mas quem gastou o chinelo na avant première foi o Roger do Corinthians, como me mostrou o videoteipe.
Só cheguei em casa na madruga, com o Martinho da Vila no assobio: "Vem logo, vem curar teu nego, que chegou de porre, lá da boemia". De bom humor e saída dos lençóis, Leonor estava linda, sonhava em película, pois sonhos são filmes feitos por cineastas mortos, maneira de Deus ocupar-lhes no purgatório.
Nem careci de desculpas tolas, apenas xinguei o alcaide paulistano, que obediente à Rede Globo, vetou a lei das partidas bem mais cedo. Dane-se o chororô das novelas, absurdo um jogo quase às dez da noite, o camarada vai chegar ao subúrbio na madruga, por mais que seja bom rapaz, por mais que não pare a cada esquina, por mais que não pratique o esporte mais popular do país, a arte de pular a cerca.
Dane-se o prefeito e a poderosa, com esse sorriso caseiro, não careço de mais nada, quero só mais uma chance, Leonor, para mostrar meu futebol. E a quinta nos amanheceu perfeita, mesmo com o desalmado do corvo, o velho Edgar, com suas premonições tortas. Desde a aurora já faz figa, no aguardo dos jogos do Palmeiras e do São Paulo. "Desastres à vista", grasnava. Bobagem.
Como se não bastasse o corvo, batem à porta. Adivinha quem veio para o almoço? Sim, ele mesmo, a praga do Durvalzinho, lembram?, aquele compadre de Ribeirão Preto, o maior secador do Come-Fogo e do futebol interiorano. Engraçado o cara, matou nossa rabada com polenta, raspou o tacho, sobremesa de bolo-de-rolo, café, vinho do Porto... Falou maravilhas do Sertãozinho, ali da sua vizinhança, além e fazer fé no Norusca e no Marília. O Estadual é seu prato predileto, o miserável se lambuza. "Não troco dez Libertadores, esse torneiozinho de cucaracho, por meio Paulista", lambe os beiços.
O elemento ainda deixou comigo uma tabela inteira preenchida com as tintas do seu agouro, só zebra, só desgraça para os grandes. Nos clássicos, apostou tudo em 0 a 0. "E com dois expulsos de cada lado, para enfraquecê-los nas próximas rodadas." Na saída trocou idéia rápida com Edgar, em grego, o idioma dos secadores trágicos, e saiu feliz da vida para a rodoviária. "Tens cada amigo!", disse Leonor, que me beijava com a boca de café e me arrastava para a sesta, sem pesadelos ludopédicos.

xico.folha@uol.com.br


Texto Anterior: Handebol: Brasil pega Alemanha no início do mundial
Próximo Texto: Platini quer revolução européia
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.