São Paulo, segunda-feira, 19 de junho de 2006

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Irmãs carmelitas acompanham a via-crúcis verde-amarela com hinos, salmos e muitas preces

XICO SÁ
COLUNISTA DA FOLHA

Amigo torcedor, amigo secador, aqui na Terra vão jogando futebol, tem muito choro, muito samba e rock'n'roll, mas com esta pátria em salto alto, só com reza forte, velho xará Buarque, somente apelando ao Senhor.
Somente vendo o jogo com quem acredita e tem fé, com ímpias criaturas que fazem pelo menos oito jornadas de orações diárias, das 6h ao sono dos justos das 21h30, os que dormem cedo e cedo madrugam. Foi o jeito ir ver o segundo jogo da via-crúcis verde-amarela com as freiras do convento das Irmãs Carmelitas Mensageiras do Espírito Santo, amém.
No meio daquelas moças vocacionadas e lindas noviças em flor, este cronista mais parecia uma Yolanda Bell, a cantora de boleros que leva uma vida de erros até ser salva pelas Redentoras Humilhadas, uma ordem religiosa do filme "Maus Hábitos", de Pedro Almodóvar.
Como sempre, logo às 6h, as irmãs carmelitas fizeram a primeira prece. Não citaram o nome de Parreira nem qualquer outro nome em vão, mas haviam convocado a comunidade de fiéis de Santo Amaro e do Brooklin, onde fica o convento, para assistir ao jogo em comunhão, telão e festa de São João, balão, haja rima pobre para o milionário escrete sem solução.
Às 7h30, nova rodada de breves salmos, hino, leitura, preces ao Senhor. Antes do embate com os cangurus, missa, como manda a fé. "Ó, Senhora do Carmo, olhai por mim e para todos os que estão revestidos do vosso escapulário. Acompanhai-nos e protegei-nos ao longo da vida, para que possamos crescer na fé, esperança e caridade seguindo Jesus Cristo, amém!"
Depois, um corre-corre de freiras, que pareciam voar como as noviças rebeldes e fictícias. Umas arrumam as barracas, comes e bebes, porém bebes que não embebedam e não derrubam um cabra. Outras levam cadeiras. Outra equipe liga o telão no palanque. Haja fios, assim na terra como nos postes, nos céus. Todas embaladas por hinos católicos no alto-falante, um belo e religioso frenesi.
Católico, mas com bingo. Não o bingo das CPIs, aquele velho e inocente bingo de paróquia. Prêmio: uma bola da seleção. Com uma irmã a entrevistar os adultos e as crianças. Um menino vestido de Ronaldinho: "Vai ser 9 a 0". Risos das freiras. Deus abençoe as crianças do Brasil, mas as freiras são tudo, menos loucas e ingênuas. Elas sabem que, de nove, só se fosse jogo da Argentina.
Numa rodinha delas, um papo ouvido pelo repórter-cronista escondido: "Irmã Adriana, será que vamos ganhar?". "Sei lá... Só Deus sabe, você viu que morreu aquele gordo do "Casseta & Planeta'? Como era mesmo o nome dele? O..."
E Deus, ao menos para a mesma ordem do aprazível convento repleto de belas obras sociais, é brasileiro. E também francês. E italiano. As irmãs das irmãs daqui estão igualitariamente nesses três países.
Começa a partida. A freira de chapéu verde-amarelo está nervosa. Agora, as virgens rezam em silêncio. Nada mais comovente. Mas não tem cerveja. O cronista se treme todo, Jorge Araújo, mestre-fotógrafo ali na moita, pede um churrasquinho de gato. "Engordai-vos uns aos outros", como diria o glorioso Bussunda -a quem prestamos aqui religiosa homenagem- para Ronaldo, o sósia.
Mas vocês não acreditam. Terminou o primeiro tempo, e a madre superiora ficou revoltada com a presença destas testemunhas que vos falam por palavras e imagens, atos e omissões, e mandou que as freirinhas e noviças, meu Deus, se recolhessem. E aquela nuvem de belas noviças voltou voando da rua para longe do alcance dos pecadores, amém.
É, a regra não é nada clara, nem sempre o jogo acaba somente quando o juiz apita.


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