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Preto no branco
Lembrança de massacre ocorrido em 1960, durante o apartheid, ainda norteia local até pouco tempo atrás dividido e violento, usado hoje pela Costa do Marfim para treinar na África do Sul
DOS ENVIADOS A JOHANNESBURGO
Enquanto o Brasil se concentra e treina na parte mais
"europeia" da África do Sul,
seu adversário de amanhã
frequenta diariamente um local histórico, símbolo de um
país até pouco tempo atrás
dividido e violento.
A Costa do Marfim treina
no estádio George Theben,
no meio da favela de Sharpeville, a 80 km de Johannesburgo, palco de um dos
maiores massacres feitos pela política do apartheid.
Em 21 de março de 1960,
centenas de moradores protestaram contra a "lei do passe" -que limitava sua liberdade de deslocamento a locais determinados pelo governo branco. A data é feriado nacional no país.
Três sobreviventes do
massacre de Sharpeville falaram ontem com a Folha, na
frente do memorial em homenagem às vítimas da tragédia. "Era uma festa", afirmou o aposentado Johannes
Sefatsa, 69. "Cantávamos pelas ruas. Então nos disseram
que a polícia nos daria informações e fomos até a delegacia. Era uma armadilha."
A polícia abriu fogo: 69
pessoas morreram, 180 ficaram feridas. Quem não conseguiu escapar foi preso.
Abram Mokokeng, 71, tomou
um tiro nas costas -carrega
a bala no corpo até hoje.
"Passei três meses no hospital e de lá fui para a prisão,
onde fiquei mais seis meses.
Era um protesto comunitário.
Fomos todos torturados, tratados como criminosos."
"Crianças não eram permitidas, os adultos mandavam
que ficássemos em casa", diz
Sellane Phethane, 64. "Mas
eu e umas amigas ficamos escondidas atrás de um muro e
seguimos a marcha. Vimos
aviões passando e ficamos
certas de que era uma festa."
Sefatsa perdeu o irmão Samuel, nove anos mais velho.
"Meus pais não acreditavam
que ele havia morrido. Mas
eu havia recolhido seu relógio", lembra. "O mais triste
foi depois, quando amontoaram todos os corpos num caminhão e não pudemos reconhecer os parentes."
A tragédia fez Phethane
perder a inocência. "Eu tinha
14 anos, vi meu avô morrer e
meu irmão ser preso sem motivo. No dia seguinte, entrei
para a juventude do Congresso Nacional Africano [ANC,
na sigla em inglês]", conta.
Passou a vida na militância,
ajudando presos políticos e
suas mulheres e filhos. Estava na arquibancada
do mesmo estádio George
Thebe em 96, quando Nelson
Mandela, então presidente,
assinou a Constituição. Hoje,
a arena abriga os treinos da
Costa do Marfim, que ignora
a história que há no campo.
"Estamos bem seguros
treinando lá, a polícia tem
feito bom trabalho", disse
Eboué, ontem, quando questionado sobre como se sentia
em Sharpeville.
(EDUARDO ARRUDA, MARTÍN FERNANDEZ, PAULO
COBOS E SÉRGIO RANGEL)
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