São Paulo, quinta-feira, 19 de julho de 2001

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FUTEBOL

Porres e ressacas

SONINHA
COLUNISTA DA FOLHA

Depois da apresentação ridícula da seleção brasileira contra o México, como encontrar algum ponto positivo? A esperança nasce na própria essência do desastre: o poço parece não ter fundo, mas é difícil fazer algo pior do que aquilo. Tropeçar na bola, chutá-la sem querer pela linha lateral, tomar drible e cair sentado são coisas que ocorrem comigo, com jogadores sem nenhuma categoria ou, uma vez na vida, com bons profissionais. Mas não com três ou quatro atletas de seleção, várias vezes, em um único jogo.
O medo se apoderou dos atletas de tal maneira que muitos preferiam não pegar na bola. Se as regras fossem outras, o técnico pediria tempo imediatamente. Chacoalharia os atletas um por um e diria: "Vocês estão loucos?". (Imagine como seriam os outros esportes se o técnico não pudesse pedir tempo. Bernardinho e Hélio Rubens não teriam sobrevivido ou já teriam um marca-passo.)
A primeira providência era devolver um mínimo de confiança aos jogadores. Garantir que não tomar gol já seria muito bom e trocar a camisa amarela pela azul para marcar a nova fase foram o começo da operação. Claro que a entrada de Juan, Belletti e Junior também ajudou, mesmo com os laterais oferecendo um pouco menos do que são capazes.
A troca de camisa foi tratada com desdém e classificada como "misticismo". Até o supersticioso Zagallo ironizou a escolha. Um símbolo não pode alterar condições externas, mas pode influir na sua disposição mental. Se você acredita que uma medalha, uma música, uma roupa e um ritual vão ajudar o seu desempenho, provavelmente vão mesmo.
Tempos atrás, um médico presente no programa "RG", da TV Cultura, criticou uma clínica para recuperação de alcoólatras porque tinha mesas de sinuca: "Os pacientes precisam se afastar de tudo o que possa ser associado à bebida". As mesas, naturalmente, lembrariam os bares, assim como a camisa amarela de tantas glórias estava sendo associada, ultimamente, a porres e ressacas.
Estaremos recuperados da insegurança, da falta de solidariedade, ousadia e criatividade? Não, o tratamento mal começou. Pode haver recaída. Mas esperamos que os pacientes não desistam do tratamento e que o doutor prescreva mais chutes a gol, para romper de vez com a antiga fase.

Em Sydney-2000, a NBC obteve índices de audiência menores que os esperados e atribuiu o fiasco ao fuso horário. (Os eventos eram exibidos nos EUA com horas de atraso para fugir das madrugadas, mas o público acessava os resultados em tempo real pela internet e perdia o interesse pelo VT.)
Se essa decepção comercial não trouxe a Olimpíada de 2008 para mais perto de Greenwich, não seriam as razões humanitárias que descredenciariam Pequim... O promissor mercado chinês minimiza qualquer arbitrariedade ou violência, imediatamente promovidas a "questões internas".
O mundo se indignou com a destruição das estátuas gigantes de Buda no Afeganistão, mas não lamenta os monastérios e os monumentos destruídos no Tibete. Assim como no Timor Leste até pouco tempo atrás, os tibetanos são privados de seu idioma e de sua religião. Centenas de milhares de tibetanos foram executados, presos e deportados, mas as potências ocidentais só tomam as dores das vítimas de Saddam Hussein ou do vilão do momento.

Ainda os símbolos
Que imagens poderíamos aplicar à bola para que a seleção brasileira a chutasse com gosto? Algo que despertasse carinho ou instigasse a gana de vencer?

Outras razões
Enquanto a China é bajulada, Cuba, incômoda potência olímpica (pelo número de medalhas), sofre com o isolamento comercial. O regime cubano comete atrocidades imperdoáveis, mas a penúria a que o país é condenado pelos zelosos vigilantes dos direitos humanos é igualmente lastimável.

O dia do fico
Não havia clima para Rogério continuar no São Paulo? Se continuar jogando bem, será um herói tricolor. Se falhar algumas vezes, será mercenário. Como sempre acontece com todos os jogadores, em todos os clubes.

E-mail: soninha.folha@uol.com.br


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