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FUTEBOL
Porres e ressacas
SONINHA
COLUNISTA DA FOLHA
Depois da apresentação ridícula da seleção brasileira
contra o México, como encontrar
algum ponto positivo? A esperança nasce na própria essência do
desastre: o poço parece não ter
fundo, mas é difícil fazer algo pior
do que aquilo. Tropeçar na bola,
chutá-la sem querer pela linha lateral, tomar drible e cair sentado
são coisas que ocorrem comigo,
com jogadores sem nenhuma categoria ou, uma vez na vida, com
bons profissionais. Mas não com
três ou quatro atletas de seleção,
várias vezes, em um único jogo.
O medo se apoderou dos atletas
de tal maneira que muitos preferiam não pegar na bola. Se as regras fossem outras, o técnico pediria tempo imediatamente. Chacoalharia os atletas um por um e
diria: "Vocês estão loucos?".
(Imagine como seriam os outros
esportes se o técnico não pudesse
pedir tempo. Bernardinho e Hélio
Rubens não teriam sobrevivido
ou já teriam um marca-passo.)
A primeira providência era devolver um mínimo de confiança
aos jogadores. Garantir que não
tomar gol já seria muito bom e
trocar a camisa amarela pela
azul para marcar a nova fase foram o começo da operação. Claro
que a entrada de Juan, Belletti e
Junior também ajudou, mesmo
com os laterais oferecendo um
pouco menos do que são capazes.
A troca de camisa foi tratada
com desdém e classificada como
"misticismo". Até o supersticioso
Zagallo ironizou a escolha. Um
símbolo não pode alterar condições externas, mas pode influir na
sua disposição mental. Se você
acredita que uma medalha, uma
música, uma roupa e um ritual
vão ajudar o seu desempenho,
provavelmente vão mesmo.
Tempos atrás, um médico presente no programa "RG", da TV
Cultura, criticou uma clínica para recuperação de alcoólatras
porque tinha mesas de sinuca:
"Os pacientes precisam se afastar
de tudo o que possa ser associado
à bebida". As mesas, naturalmente, lembrariam os bares, assim como a camisa amarela de tantas
glórias estava sendo associada,
ultimamente, a porres e ressacas.
Estaremos recuperados da insegurança, da falta de solidariedade, ousadia e criatividade? Não, o
tratamento mal começou. Pode
haver recaída. Mas esperamos
que os pacientes não desistam do
tratamento e que o doutor prescreva mais chutes a gol, para
romper de vez com a antiga fase.
Em Sydney-2000, a NBC obteve
índices de audiência menores que
os esperados e atribuiu o fiasco ao
fuso horário. (Os eventos eram
exibidos nos EUA com horas de
atraso para fugir das madrugadas, mas o público acessava os resultados em tempo real pela internet e perdia o interesse pelo VT.)
Se essa decepção comercial não
trouxe a Olimpíada de 2008 para
mais perto de Greenwich, não seriam as razões humanitárias que
descredenciariam Pequim... O
promissor mercado chinês minimiza qualquer arbitrariedade ou
violência, imediatamente promovidas a "questões internas".
O mundo se indignou com a
destruição das estátuas gigantes
de Buda no Afeganistão, mas não
lamenta os monastérios e os monumentos destruídos no Tibete.
Assim como no Timor Leste até
pouco tempo atrás, os tibetanos
são privados de seu idioma e de
sua religião. Centenas de milhares de tibetanos foram executados, presos e deportados, mas as
potências ocidentais só tomam as
dores das vítimas de Saddam
Hussein ou do vilão do momento.
Ainda os símbolos
Que imagens poderíamos
aplicar à bola para que a seleção brasileira a chutasse com
gosto? Algo que despertasse
carinho ou instigasse a gana
de vencer?
Outras razões
Enquanto a China é bajulada,
Cuba, incômoda potência
olímpica (pelo número de
medalhas), sofre com o isolamento comercial. O regime
cubano comete atrocidades
imperdoáveis, mas a penúria
a que o país é condenado pelos zelosos vigilantes dos direitos humanos é igualmente
lastimável.
O dia do fico
Não havia clima para Rogério
continuar no São Paulo? Se
continuar jogando bem, será
um herói tricolor. Se falhar
algumas vezes, será mercenário. Como sempre acontece
com todos os jogadores, em
todos os clubes.
E-mail: soninha.folha@uol.com.br
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