São Paulo, quinta-feira, 19 de agosto de 2004

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FUTEBOL

A gente gosta tanto

SONINHA
COLUNISTA DA FOLHA

Governos de todos os tipos tentam usar o esporte para se promover -à esquerda e à direita, liberais ou conservadores, federais, estaduais e municipais. Empresas também, principalmente em ano olímpico. Todo mundo quer sair na foto ao lado de um vencedor e associar sua marca às grandes conquistas (ou pelo menos aos grandes esforços). Alguns têm o direito de posar ao lado dos atletas, porque de fato são parceiros de luta. Outros são oportunistas descarados. Outros só entram na onda porque pega mal ficar fora dela - ignorar uma Joana Maranhão, um Flávio Canto ou um Leandro Guilheiro a essa altura seria de uma insensibilidade tremenda. Chega a ser uma cilada: receber o atleta para uma homenagem é "marketing'"; ignorá-lo é falta de educação.
O governo federal armou um evento para aproveitar a popularidade da seleção brasileira com fins políticos -aliás, muitas coisas na vida têm ""fins políticos", e nem sempre isso é sinônimo de má intenção. E a iniciativa tem fins humanitários também; é o famoso "dar alguma alegria para quem tem muito poucas". Sou a favor da alegria. Às vezes, um jogador visita uma área de conflito (como Ronaldo e Zidane fizeram tempos atrás, convidados pela ONU). Desta vez, a seleção toda se deslocou para um lugar em que a violência e a miséria são pragas enraizadas. O Haiti é um pouco aqui, mas nossas mazelas ainda são pequenas perto do original.
Embora critique convocações desnecessárias da seleção, essa ocasião festiva me comoveu. Se podemos participar das comemorações dos cem anos do Barcelona, por que não passar uma tarde em um país miserável da América Central? O futebol só é rico porque é popular. Mesmo que esteja longe de repartir sua fartura com os miseráveis, o futebol de elite pode retribuir simbolicamente um pouco do carinho que recebe pelo mundo. Não são os haitianos que compram camisas do Real e da seleção, mas vale um espaço na agenda para encontro menos mercantilista entre ídolos e fãs.
Será que eu teria a mesma reação se o episódio envolvesse um governo do qual discordo frontalmente (o de Bush, por exemplo)? Se ele articulasse a ida da seleção de basquete ao Iraque, talvez eu desconfiasse da patriotada e torcesse o nariz para os atletas que participassem disso. Mas também porque a política estadunidense de "libertar à força'" e de tentar provar a superioridade sobre os outros é diferente da missão da ONU no Haiti. De todo modo, seria melhor enviar o Michael Jordan do que franco-atiradores.
O esporte é uma alegoria que substitui a guerra e já interrompeu pelo menos uma (naquela famosa excursão do Santos). A camisa da seleção salva a pele de brasileiros em apuros pelo mundo. Felipão talvez ajude a estreitar os laços entre brasileiros e a parte mais desconfiada ou preconceituosa dos portugueses. Resolver os problemas, o futebol não resolve. Mas o que resolve, as armas? Seja no Haiti de lá ou daqui, futebol "não serve pra nada", e a gente gosta tanto...

Valendo o ingresso
Foi legal ver Ronaldo, Ronaldinho e todos os outros com a língua de fora, morrendo de calor, mas fazendo de tudo para dar o espetáculo que a torcida esperava. É impossível reproduzir essa motivação em um jogo "normal", mas seria bom recuperar um pouco desse espírito.

Dupla utilidade
O roubo da renda de um jogo do Palmeiras é mais um argumento a favor da venda antecipada de ingressos e carnês. Mas um representante do clube afirma que "todos os estudos provam que esse negócio de carnê não dá certo". Que estudos?

Fenômena
"Disseram que eu chegaria aqui e me assustaria. Não senti nada." Essa é Joana Maranhão!

E-mail
soninha.folha@uol.com.br


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