São Paulo, sábado, 19 de setembro de 2009

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MOTOR

De Trípoli a Cingapura


Impunidade dá margem para picaretas imaginarem que podem fazer o que querem na F-1. E normalmente fazem


FÁBIO SEIXAS
EDITOR-ADJUNTO DE ESPORTE

AINDA BEM que existem os fuçadores. Como Luiz Alberto Pandini. Que, em seu blog, pandinigp.blogspot.com, lembrou uma história de 76 anos atrás, mas que revela muito sobre a lama fétida que hoje invade a F-1.
Nos anos 20 e 30, antes de a categoria ser organizada num Mundial, a Líbia era uma colônia italiana.
Como tal, recebia o GP de Trípoli.
Para a edição de 1933, os organizadores lançaram uma loteria para financiar a empreitada. Bilhetes foram vendidos a 12 liras e, três dias antes da corrida, 30 números foram sorteados. Havia, então, uma segunda fase: para cada bilhete, foi atribuído um dos 30 pilotos do grid.
O dono do bilhete do piloto vencedor levaria o prêmio de 3 milhões de liras -para dimensionar, 250 mil vezes o valor apostado.
Na véspera da corrida, Achille Varzi, um astro, foi procurado pelo portador do bilhete atrelado a seu nome. A proposta: se vencesse, embolsaria metade da premiação.
Relatos da época, inclusive de Alfred Neubauer, mítico chefe da Mercedes, contam que Varzi passou a noite conversando com colegas, entre eles Tazio Nuvolari, um dos maiores de todos os tempos.
Veio a corrida. Varzi teve problemas na largada, perdeu várias posições. Começou então uma recuperação impressionante -e estranha.
Um a um, seus adversários foram parando. Na última volta, ele era vice-líder. A disputa parecia fechada.
Parecia. A 300 metros da bandeirada, Nuvolari parou. "Estou sem gasolina!", gritou. Varzi venceu.
A coisa foi tão escancarada, os envolvidos festejaram tanto e falaram tanto, que o escândalo tornou- -se público logo depois. Cogitou-se cassar as licenças dos pilotos. Mas eram todos estrelas. Os comissários imaginaram que uma punição severa daria mais publicidade à imundice, mancharia o esporte.
Naquele 1933, não fizeram nada. Como não fizeram nada em 1994, quando a Benetton tinha um carro irregular. Como não fizeram nada em 2002, quando Barrichello quase parou para Schumacher passar.
Como não fizeram nada em 2007, quando a McLaren surrupiou segredos da Ferrari. Como não fizeram nada depois da mentira de Hamilton na Austrália, em março. (E não venha falar em multas que não coçam o bolso das equipes.)
Impunidade histórica.
Por isso, Briatore, Symonds e Nelsinho promoveram a bandalheira de Cingapura. Por isso, não creio no banimento dos envolvidos no julgamento de segunda-feira, única atitude que tiraria o nariz de palhaço dos torcedores do esporte.
Esporte, sim, ao contrário do que prega Juca Kfouri. Por razões várias. Condição, porém, que sofre apagões. Obra dos picaretas que habitam os paddocks -como os estádios. E, agora, eles exageraram.

fabioseixas.folha@uol.com.br


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