São Paulo, segunda-feira, 19 de dezembro de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

FUTEBOL

Depois de Ronaldo, atleta gaúcho deve se tornar hoje o segundo do país a bisar o prêmio de melhor do mundo da Fifa

"Barbada", Ronaldinho se sente incompleto

FÁBIO VICTOR
ENVIADO ESPECIAL A ZURIQUE

No ano que termina, Ronaldinho teve um filho, multiplicou como nunca seus contratos publicitários e ampliou seu acordo com o Barcelona até 2010, fazendo crescer seu já vultoso salário. Pouco se sabe sobre esses temas. Em campo, teve atuações tão brilhantes quanto às de 2004, quando ganhou pela primeira vez o prêmio de melhor do mundo da Fifa. Só que com mais gols e mais títulos.
Ao subir hoje ao palco da Ópera de Zurique como o favoritíssimo para receber novamente o troféu, o gaúcho de 25 anos, 1,81 m e 80 kg, cumprirá mais uma etapa de uma carreira rara, iniciada como profissional no Grêmio de Porto Alegre há sete anos.
Graças ao futebol que só melhora e a uma discrição que mantém inabalada, apesar da fama crescente, é um caso único de astro que consegue aparecer quase somente pelo que faz nas quatro linhas, quase sumindo fora delas.
O meia-atacante conduziu o Barcelona ao incontestável título do Espanhol 2004-2005. Com o Brasil, foi campeão da Copa das Confederações e líder das eliminatórias sul-americanas. Na atual temporada, dá seqüência ao baile. É vice-artilheiro da Copa dos Campeões (cinco gols) e do Espanhol (dez tentos), liderado pelo "Barça". Na recente vitória por 3 a 0 sobre o Real Madrid, foi aplaudido de pé pelos torcedores do arqui-rival, algo que poucos atletas conseguiram na história.
O "rosto risonho do futebol", na definição da própria Fifa, concorre com o inglês Frank Lampard, do Chelsea, meio-campista com habilidade e gols de atacante e resistência de super-homem (ontem fez seu 163º jogo seguido pelo Campeonato Inglês), e com o camaronês e colega de Barcelona Samuel Eto'o, outra peça essencial no título espanhol, porém mais de gol do de que mágica -é artilheiro do Espanhol, e anteontem, com Ronaldinho poupado por causa de uma gripe, fez mais dois contra o Cádiz, fora de casa.
A disputa, que antecipa o duelo Barcelona x Chelsea pelas oitavas-de-final da Copa dos Campeões, parece uma barbada.
Até a mídia inglesa, que não tem se furtado a definir Lampard como o "melhor meia do mundo", dá como certa a vitória do brasileiro, que já levou neste ano a Bola de Ouro de melhor da Europa e o prêmio da FIFPro, entidade mundial dos atletas profissionais.
Uma votação pública na página da Fifa na internet dava ontem 82% para Ronaldinho, 9,8% para Lampard e 8,2% para Eto'o.
Namorador que se mantém reservado, milionário que continua amparado por uma estrutura familiar (o irmão, Assis, é o empresário, a irmã, Deisi, é a assessora de imprensa, primos e amigos ocupam funções de secretários, personal trainer, etc.), o brasileiro passa seu recado com os pés.
Não se deve esperar dele declarações bombásticas. Quando Ronaldo peitou a CBF e pediu para não jogar a Copa das Confederações alegando desgaste, ele foi na direção contrária, colocando-se à disposição para o torneio. Com Ronaldinho não há bola dividida.
Assim foi na entrevista que concedeu à Folha. Inicialmente, a reportagem solicitou um encontro em Barcelona -a onipresente Deisi alegou que não havia espaço na agenda. Foi pedida então uma conversa por telefone, também descartada. A única chance era enviar perguntas por e-mail. Às respostas incompletas ou subterfúgios (como o de, instado a comentar o grupo do Brasil, dizer que "não tem mais time ruim no futebol mundial"), foi tentada uma "tréplica", em vão.
 

Folha - Um ano depois de ter conquistado o prêmio de melhor do mundo, o que mudou em você?
Ronaldinho -
Pessoalmente, continuo o mesmo cara de sempre. Os compromissos, o assédio na rua, a falta de liberdade... são coisas normais que já existiam antes do prêmio. Acho que o que mudou um pouco foi o reconhecimento internacional e o assédio da imprensa estrangeira, que ficou muito maior. Mas isso sempre vai existir. Sem problema.

Folha - Você dribla bem, chuta bem, lança bem, passa bem e agora também tem feito muitos gols. O que falta para você ser um jogador completo?
Ronaldinho -
É difícil você falar de si mesmo. Estou sempre treinando com o objetivo de melhorar cada vez mais. Quanto mais você treina, melhor fica nos fundamentos. É assim no chute, na cabeçada, no drible... Se a gente acha que é o melhor em tudo, acaba se descuidando dos fundamentos mais básicos.

Folha - Com tanto prêmio e título, o que falta à sua carreira?
Ronaldinho -
Enquanto estiver jogando futebol, a minha carreira nunca estará completa. Sempre estarei almejando alguma coisa nova. A curto prazo, meu sonho é chegar ao bi mundial na Alemanha e ao título da Copa dos Campeões com o Barcelona.

Folha - Você disse recentemente que não se considerava nem o melhor do Barcelona. Acha que o [o argentino-revelação] Messi, que você tem elogiado muito, pode vir a ser melhor que você?
Ronaldinho -
Futebol é um esporte coletivo, ninguém consegue ser o melhor sozinho. Somos um time muito unido no Barcelona. Todos os prêmios individuais que recebo divido com meus companheiros. O Messi é um grande jogador e em pouco tempo estará dando muitas alegrias às torcidas do Barça e da Argentina.

Folha - Qual a chave para um futebol bonito e eficiente, como o que o Barcelona tem apresentado?
Ronaldinho -
Não há segredo. Há trabalho, união, companheirismo, humildade e desejo de vencer. Características de qualquer time de sucesso no mundo. Um time com bom toque de bola pode chegar ao gol adversário por qualquer parte do campo. É por isso que tentamos diversificar.

Folha - Quando você vai colocar aparelho nos dentes? Espera que seu futebol possa render ainda mais, já que sua respiração vai ficar melhor?
Ronaldinho -
Ainda não há uma definição. Mas não sei se isso irá influenciar no meu desempenho [em entrevista à revista inglesa "Four Four Two", Ronaldinho disse que a mãe sempre insistiu para que usasse aparelho e que ele nunca deu ouvidos, e hoje se arrepende disso. Contou que tem que abrir a boca inteira para respirar, e por isso cansa mais cedo, e que espera que o aparelho o ajude a respirar melhor].

Folha - O que pretende fazer quando parar de jogar futebol?
Ronaldinho -
Nossa... Ainda não pensei nisso. Não pretendo parar tão cedo.

Folha - De 14 edições do prêmio da Fifa, 6 foram ganhas por brasileiros, todos enquanto atuavam no futebol europeu. Provavelmente a próxima seleção brasileira será a mais "européia" da história das Copas. Como você analisa a questão? Vê a chance de algum brasileiro que atua no Brasil ganhar um prêmio Fifa nos próximos anos?
Ronaldinho -
Existem grandes jogadores atuando no Brasil e que poderiam ganhar qualquer prêmio. Lógico que a tendência é o jogador ir para a Europa por causa da diferença econômica. Isso é assim mesmo e não tem jeito. Mesmo assim, não perdemos nossas características e o amor pelo país. Sempre que entramos em campo estamos representando nossa pátria e isso nos orgulha.

Folha - No ano passado, você participou do jogo beneficente do Trianon, em Porto Alegre. Vai atuar de novo? Quais seus planos para o fim do ano?
Ronaldinho -
O Trianon é uma iniciativa muito bonita do cabeleireiro Nei, que vem de anos, e ajuda muita gente que precisa. Sempre que posso participo com maior prazer. Acho que será na próxima quinta-feira, mas não sei se conseguirei chegar a tempo. A única coisa que penso neste fim de ano é descansar, estar ao lado da minha família e dos meus amigos [o jogador deve ir para um sítio de sua família em Eldorado do Sul, próximo a Porto Alegre].


Texto Anterior: Futebol: Santos está próximo de acerto com Jadson
Próximo Texto: Vôlei - Cida Santos: Boas e más notícias
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.