São Paulo, terça-feira, 20 de janeiro de 2004

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BASQUETE

Conta outra

MELCHIADES FILHO
EDITOR DE ESPORTE

Nezinho supera a marcação de Fúlvio. Contorna o socorro de Rogério. Na zona pintada, acha o espaço e enfia milimetricamente a bola por entre os braços de Brent e Josuel. Tiagão recebe o passe sozinho sob a tabela e faz a bandejinha. Dois pontos.
Nezinho dribla à frente de Fúlvio. Dá o bote, nova infiltração. Dessa vez, a defesa de Mogi gira a cobertura com efeito. Vários corpos bloqueiam o caminho para a cesta. O armador engasga. Quase no estouro, recua a bola para Tiagão. O pivô, que já se preparava para deter o contra-ataque adversário, não titubeia. Do alto do garrafão, manda o pombo sem asas... que cai de chuá. Mais dois pontos para o Ribeirão Preto.
A primeira assistência Nezinho construiu com rapidez, técnica e visão. Deixou tudo fácil; a cesta virou obrigação para o colega.
No segundo lance, ao massagear a bola e entregá-la na fogueira, conspirou contra o próprio ataque. Dada a improbabilidade do acerto do arremesso, pode-se dizer que Tiagão retribuiu o presente, garantindo a assistência.
É interessante constatar que coube justamente ao basquete, esporte que cintila porque não se repete, consagrar um modelo de análise que ignora nuances.
Na resenha estatística utilizada geralmente para radiografar a atuação de uma equipe ou jogador, não há distinção entre o brilhante e o medíocre. As duas assistências do armador do tricampeão paulista valem a mesma coisa. As cestas do pivô também.
Por isso a leitura linear dos chamados "boxscores" há algum tempo não sacia os basqueteiros.
Alguns, afoitos, passaram a atribuir "pesos" distintos a cada fundamento (um desarme equivale a dois rebotes defensivos, por exemplo), inventando fórmulas que não se sustentam, dada a subjetividade dos critérios.
Outros, mais atentos, como Dean Smith, técnico que lançou Michael Jordan na Universidade de North Carolina, concluíram que o raio X numérico de um jogo ou atleta deve partir da soma de análises particulares de cada lance. Não basta conhecer a média de assistências de Nezinho; é preciso saber de onde e como elas nascem -e qual é o mérito dele.
O problema é que o trabalho "play by play" demanda enorme estrutura de coleta/cruzamento. Na zilionária NBA, apenas o Seattle e o Dallas encaram a conta. Na WNBA, só o Charlotte.
Por razões óbvias, o Brasil bóia nessa discussão. O próximo Brasileiro masculino, que a CBB lança hoje e abre no domingo, anuncia como novidade exatamente uma radiografia linear de estatísticas, o "ranking da eficiência": some pontos, rebotes, assistências, tocos e bolas roubadas e subtraia arremessos errados, lances livres errados e "turnovers".
Quer dizer que tal fórmula -apelidada de "birdies", analisada aqui em 2000 e convertida em atração do site da NBA em 2002- é perda de tempo?
Não. Ela proporciona leituras, ainda que superficiais, de volume de jogo. E, mais importante, ao iluminar outros fundamentos, pode sacudir uma crônica (imprensa e torcida) acostumada a só cultuar a cesta. Faça as contas!

Ábaco 1
A CBB premiará quem se destacar no novo ranking de eficiência.

Ábaco 2
A coleta de dados e sua oferta online (www.cbb.com.br) exigem dois estatísticos e um digitador em cada partida. Desde 1990, foram coletados 2.541 "boxscores" do Nacional masculino. Em 2003, eles atraíram 129.131 internautas por rodada.

Ábaco 3
Segundo o coordenador Lauro Araújo, o serviço estatístico luta para padronizar critérios de anotação, garantir condições de trabalho em todos os ginásios e conferir súmulas da arbitragem. Cerca de 10% dos jogos são refeitos na CBB para identificar focos de problema.

E-mail melk@uol.com.br


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