|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
BASQUETE
Conta outra
MELCHIADES FILHO
EDITOR DE ESPORTE
Nezinho supera a marcação
de Fúlvio. Contorna o socorro de Rogério. Na zona pintada,
acha o espaço e enfia milimetricamente a bola por entre os braços
de Brent e Josuel. Tiagão recebe o
passe sozinho sob a tabela e faz a
bandejinha. Dois pontos.
Nezinho dribla à frente de Fúlvio. Dá o bote, nova infiltração.
Dessa vez, a defesa de Mogi gira a
cobertura com efeito. Vários corpos bloqueiam o caminho para a
cesta. O armador engasga. Quase
no estouro, recua a bola para Tiagão. O pivô, que já se preparava
para deter o contra-ataque adversário, não titubeia. Do alto do
garrafão, manda o pombo sem
asas... que cai de chuá. Mais dois
pontos para o Ribeirão Preto.
A primeira assistência Nezinho
construiu com rapidez, técnica e
visão. Deixou tudo fácil; a cesta
virou obrigação para o colega.
No segundo lance, ao massagear a bola e entregá-la na fogueira, conspirou contra o próprio
ataque. Dada a improbabilidade
do acerto do arremesso, pode-se
dizer que Tiagão retribuiu o presente, garantindo a assistência.
É interessante constatar que
coube justamente ao basquete, esporte que cintila porque não se repete, consagrar um modelo de
análise que ignora nuances.
Na resenha estatística utilizada
geralmente para radiografar a
atuação de uma equipe ou jogador, não há distinção entre o brilhante e o medíocre. As duas assistências do armador do tricampeão paulista valem a mesma coisa. As cestas do pivô também.
Por isso a leitura linear dos chamados "boxscores" há algum
tempo não sacia os basqueteiros.
Alguns, afoitos, passaram a
atribuir "pesos" distintos a cada
fundamento (um desarme equivale a dois rebotes defensivos, por
exemplo), inventando fórmulas
que não se sustentam, dada a
subjetividade dos critérios.
Outros, mais atentos, como
Dean Smith, técnico que lançou
Michael Jordan na Universidade
de North Carolina, concluíram
que o raio X numérico de um jogo
ou atleta deve partir da soma de
análises particulares de cada lance. Não basta conhecer a média
de assistências de Nezinho; é preciso saber de onde e como elas
nascem -e qual é o mérito dele.
O problema é que o trabalho
"play by play" demanda enorme
estrutura de coleta/cruzamento.
Na zilionária NBA, apenas o
Seattle e o Dallas encaram a conta. Na WNBA, só o Charlotte.
Por razões óbvias, o Brasil bóia
nessa discussão. O próximo Brasileiro masculino, que a CBB lança
hoje e abre no domingo, anuncia
como novidade exatamente uma
radiografia linear de estatísticas,
o "ranking da eficiência": some
pontos, rebotes, assistências, tocos
e bolas roubadas e subtraia arremessos errados, lances livres errados e "turnovers".
Quer dizer que tal fórmula
-apelidada de "birdies", analisada aqui em 2000 e convertida
em atração do site da NBA em
2002- é perda de tempo?
Não. Ela proporciona leituras,
ainda que superficiais, de volume
de jogo. E, mais importante, ao
iluminar outros fundamentos,
pode sacudir uma crônica (imprensa e torcida) acostumada a
só cultuar a cesta. Faça as contas!
Ábaco 1
A CBB premiará quem se destacar no novo ranking de eficiência.
Ábaco 2
A coleta de dados e sua oferta online (www.cbb.com.br) exigem dois
estatísticos e um digitador em cada partida. Desde 1990, foram coletados 2.541 "boxscores" do Nacional masculino. Em 2003, eles atraíram 129.131 internautas por rodada.
Ábaco 3
Segundo o coordenador Lauro Araújo, o serviço estatístico luta para
padronizar critérios de anotação, garantir condições de trabalho em
todos os ginásios e conferir súmulas da arbitragem. Cerca de 10% dos
jogos são refeitos na CBB para identificar focos de problema.
E-mail melk@uol.com.br
Texto Anterior: Automobilismo: Equipes de F-1 podem boicotar GPs na Europa Próximo Texto: Futebol - Marcos Augusto Gonçalves: Quem tem medo do Portella? Índice
|