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FUTEBOL
Os técnicos: Sartre
JOSÉ ROBERTO TORERO
COLUNISTA DA FOLHA
Neste derradeiro episódio
sobre os grandes técnicos,
contarei a história de Matias Sartre, supino treinador que nasceu e
morreu em Ananás, Tocantis. Foi
um jovem contestador e dono de
um senso crítico que seus conterrâneos reprovavam. Felizmente o
velho Kiko Kierkegaard, comandante do Ananás F.C., viu potencial no garoto e, desde cedo, preparou-o para ser seu substituto.
Quando Sartre assumiu a direção do time, a desconfiança foi
geral, pois os dirigentes não viam
sentido naquelas longas palestras
que não se pareciam em nada
com as tradicionais preleções.
E pior: ele insistia em levar ao
vestiário sua namorada Simone,
o que causava constrangimento
entre os jogadores. Mas chocar
era o que ele queria. Nada mais
repugnante para ele do que atletas que cumprem sempre o mesmo papel e não são capazes de
questionar as ordens superiores.
Aquela história de que "uns
mandam, outros obedecem e assim tem sido desde a criação do
mundo" o deixava irritado. Para
ele, era importante que seus atletas sentissem náusea em relação
ao papel de comandados.
- Temos que nos decidir entre
o ser e o nada, ele dizia.
E encorajava os atletas a fazer
coisas diferentes em campo, improvisar, assumir a responsabilidade de uma existência criativa.
Para surpresa de todos, as coisas começaram a dar certo no
Ananás F.C. Ao ensinar os atletas
a darem um sentido para suas vidas, Sartre tornou-os ousados e
ambiciosos. Vitórias se sucederam e a tática existencialista, como Sartre a batizou, começou a
formar seguidores na região.
Realmente era admirável a maneira como o Ananás F.C. jogava:
os laterais eram atrevidos, os
meias faziam jogadas que desconcertavam seus marcadores e
os atacantes não ficavam presos a
amarrações táticas, mas tentavam o gol a todo instante.
Tudo corria às mil maravilhas
para Sartre até o dia da grande final contra o Olimpic, de Franca.
Foi aí que capitão do time disse:
- Professor, o senhor sempre
diz que nós estamos condenados
à liberdade, certo?
- Certo, respondeu Sartre.
- Então podemos fazer o que
quisermos, certo?
- Certo.
- Pois então, nós, os jogadores,
conversamos e decidimos que vamos perder o jogo.
- Mas é a decisão!?
- Quem diz que nós temos que
estar sempre correndo atrás de vitórias? Qual a importância deste
campeonato? O outro time não
necessita dele mais do que nós?
Somos donos do nosso destino e
queremos questionar essa verdade estabelecida.
- Bem...
- O senhor quer nos tutelar e
nos tratar como ovelhas?
Sartre engoliu em seco e balançou a cabeça de um lado a outro.
Naquele dia, ao sentar-se no banco de reservas, o técnico pensador
sabia que a tática existencialista
estava marcada para morrer.
Quando o placar já estava 4 a 0
para o Olimpic, ele bufou e comentou com Simone:
- O inferno são os outros.
M.En.T.I.
No Manual Enciclopédico de
Times Imaginários está o Sorbonne Futebol e Cultura, criado
pelo grêmio estudantil da célebre universidade francesa. O
Sorbonne teve jogadores ilustres, como Lacan, Foucalt (que
detestava concentrações) e Fernando Henrique Cardoso, que
se dizia meia-esquerda mas
sempre caía pela direita. Em
2003 ficou em último lugar na
liga parisiense. Seu problema é
que todos os jogadores gostam
de dar palpites, de modo que
suas discussões são intermináveis. Foi o que aconteceu no intervalo de um jogo contra o time dos ascensoristas da Torre
Eiffel, quando os sorbonnenses
acabaram esquecendo de voltar
a campo e perderam por W.O.
Contagem regressiva
Três...
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