São Paulo, sexta-feira, 20 de fevereiro de 2004

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FUTEBOL

Os técnicos: Sartre

JOSÉ ROBERTO TORERO
COLUNISTA DA FOLHA

Neste derradeiro episódio sobre os grandes técnicos, contarei a história de Matias Sartre, supino treinador que nasceu e morreu em Ananás, Tocantis. Foi um jovem contestador e dono de um senso crítico que seus conterrâneos reprovavam. Felizmente o velho Kiko Kierkegaard, comandante do Ananás F.C., viu potencial no garoto e, desde cedo, preparou-o para ser seu substituto.
Quando Sartre assumiu a direção do time, a desconfiança foi geral, pois os dirigentes não viam sentido naquelas longas palestras que não se pareciam em nada com as tradicionais preleções.
E pior: ele insistia em levar ao vestiário sua namorada Simone, o que causava constrangimento entre os jogadores. Mas chocar era o que ele queria. Nada mais repugnante para ele do que atletas que cumprem sempre o mesmo papel e não são capazes de questionar as ordens superiores.
Aquela história de que "uns mandam, outros obedecem e assim tem sido desde a criação do mundo" o deixava irritado. Para ele, era importante que seus atletas sentissem náusea em relação ao papel de comandados.
- Temos que nos decidir entre o ser e o nada, ele dizia.
E encorajava os atletas a fazer coisas diferentes em campo, improvisar, assumir a responsabilidade de uma existência criativa.
Para surpresa de todos, as coisas começaram a dar certo no Ananás F.C. Ao ensinar os atletas a darem um sentido para suas vidas, Sartre tornou-os ousados e ambiciosos. Vitórias se sucederam e a tática existencialista, como Sartre a batizou, começou a formar seguidores na região.
Realmente era admirável a maneira como o Ananás F.C. jogava: os laterais eram atrevidos, os meias faziam jogadas que desconcertavam seus marcadores e os atacantes não ficavam presos a amarrações táticas, mas tentavam o gol a todo instante.
Tudo corria às mil maravilhas para Sartre até o dia da grande final contra o Olimpic, de Franca. Foi aí que capitão do time disse:
- Professor, o senhor sempre diz que nós estamos condenados à liberdade, certo?
- Certo, respondeu Sartre.
- Então podemos fazer o que quisermos, certo?
- Certo.
- Pois então, nós, os jogadores, conversamos e decidimos que vamos perder o jogo.
- Mas é a decisão!?
- Quem diz que nós temos que estar sempre correndo atrás de vitórias? Qual a importância deste campeonato? O outro time não necessita dele mais do que nós? Somos donos do nosso destino e queremos questionar essa verdade estabelecida.
- Bem...
- O senhor quer nos tutelar e nos tratar como ovelhas?
Sartre engoliu em seco e balançou a cabeça de um lado a outro. Naquele dia, ao sentar-se no banco de reservas, o técnico pensador sabia que a tática existencialista estava marcada para morrer. Quando o placar já estava 4 a 0 para o Olimpic, ele bufou e comentou com Simone:
- O inferno são os outros.

M.En.T.I.
No Manual Enciclopédico de Times Imaginários está o Sorbonne Futebol e Cultura, criado pelo grêmio estudantil da célebre universidade francesa. O Sorbonne teve jogadores ilustres, como Lacan, Foucalt (que detestava concentrações) e Fernando Henrique Cardoso, que se dizia meia-esquerda mas sempre caía pela direita. Em 2003 ficou em último lugar na liga parisiense. Seu problema é que todos os jogadores gostam de dar palpites, de modo que suas discussões são intermináveis. Foi o que aconteceu no intervalo de um jogo contra o time dos ascensoristas da Torre Eiffel, quando os sorbonnenses acabaram esquecendo de voltar a campo e perderam por W.O.

Contagem regressiva
Três...

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