São Paulo, Sábado, 20 de Março de 1999
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Racing: a academia não podia morrer

ROBERTO PETRI
especial para a Folha

Nada os atemoriza. Pode o sol estar insuportável ou o frio, alguns graus abaixo de zero. Os hinchas (torcedores) do Racing Club (fundado em 25 de março de 1903) não são tão fanáticos como os do Boca, mas lembram os fiéis corintianos.
Ganharam o último campeonato em 66 (quando foram buscar, pela primeira vez para o futebol argentino, a Libertadores e o Mundial interclubes). Estão amargando 32 anos de fila. Sofrem como condenados, mas não deixam de respaldar seus craques. Ano após ano. Campeonato após campeonato (agora se disputam dois títulos em cada temporada): no primeiro semestre, o Apertura, no segundo, o Clausura. O sofrimento tornou-se duplo.
Antes, nos primórdios, ninguém chegava perto em glórias (nove títulos, sendo sete seguidos) e em técnica.
"La Academia" foi um apelido surgido em face da arte que Ohaco, Olazar, Perinetti, Dela Torre e tantos outros imprimiam a seu jogo. Depois viriam os malabaristas Vicente Zito e Chueco Garcia para infernizar os zagueiros. Carlos Gardel, o ídolo máximo do povo, frequentava as tribunas para aplaudir tantos fenômenos. No amadorismo, o Boca (seis títulos) e o River (um) não eram o que são hoje. O Independiente (dois) transformou-se em inimigo de bairro (Avellaneda), e a rivalidade persiste.
Pois bem. O Racing quase foi à leilão. Faliu. Estava em processo de dissolução. Acontece que o brado dessa torcida sofrida foi bem mais forte. Sensibilizou toda a nação e, principalmente, o hoje "hincha" número um do River, Carlos Saul Menem. Para evitar linguagem jurídica, quebrou-se o galho.
O Racing, que não participou da rodada de abertura, já jogou no domingo último, em Rosario, perdendo para o Central, colocando 15 mil pagantes a mais no estádio. Por um ano a questão foi resolvida. As dívidas somam mais de US$ 50 milhões, e a torcida ajudará a pagar (tem clube por aqui devendo mais e não fecha). Não há quem duvide da total recuperação, moral e financeira.
Amanhã, em seu estádio Presidente Peron (o caudilho e Evita amavam também as cores celeste e branca), joga-se o clássico contra o Independiente (considerado o segundo em importância, só perdendo em prestigio para River x Boca), e a expectativa é de um verdadeiro retorno. Quem sabe de gala. Os heróis do tricampeonato profissional (49, 50 e 51), tipo Mendez, Rubem Bravo, Simes, Sued e cia não estarão em campo, o que seria prenúncio de vitória garantida, mas os Latorre, Delgado, Ubeda, Ruben Capria atuais por certo entrarão com a alma dos antepassados a empurrá-los. Que seja um jogaço, sem violência (fora e dentro do campo), coisa que está acabando com o glorioso futebol portenho.
Nunca esquecendo que muitos brasileiros honraram essa camisa: João Cardoso (campeão mundial interclubes em 66), Dorval, Luís Cláudio, Batista e outros ex-santistas. Lembrando, também, que um amistoso entre Racing e Santos, na década de 60, é considerado por quem viu como o mais belo jogo internacional entre clubes já realizado na Argentina.
Por essas e mais outras que até Pelé se diz torcedor do Racing e ficou feliz com a última decisão da Justiça argentina.


Roberto Petri é comentarista da ESPN-Brasil e CBI, especialista em futebol argentino


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