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XICO SÁ
1994, o ano que mal começou
Aquele triunfo fez muito mal às nossas artes ludopédicas;
foi ali, naquela vitória, que o Brasil inventou o dunguismo
AMIGO TORCEDOR, amigo secador, se 1968 não findou ainda
para a história, 1994 é o ano
que não acabou para o futebol brasileiro. Nunca um triunfo fez tanto
mal às nossas artes ludopédicas.
Tudo bem, você vai dizer que o título veio em boa hora, que atravessávamos jejum digno da quarentena
de Jesus no deserto, mas, amigo, foi
ali, com heróica vitória nos pênaltis,
que o Brasil inventou o dunguismo.
Daquele momento por diante, o
brasileiro, pusilânime e carente como prostituta do interior na Sexta-Feira Santa, abriu mão da sua maior
virtude: ganhar ou perder jogando
bonito. Era uma cláusula sagrada do
contrato social do escrete com o populacho. Podia faltar pão na mesa,
mas o circo era garantido como se
vivêssemos sob ordens do imperador Júlio César na Roma Antiga: "Ad
populum panis et circensis".
Falo de contrato pescando aqui o
colega Rodrigo Bueno e a sua belíssima crônica sobre o time idem da
Holanda. Sim, amigo, lá, o técnico
firma em cartório o dever cívico de
encher os olhos do público.
Como bem disse José Mourinho,
gajo que manja do babado, abrir
mão do nosso jogo é, além de burrice, enterrar grande traço cultural e
particularíssimo da civilização brasileira. O pior é que o dunguismo,
doença infantil do teixeirismo, regime perpétuo da ex-CBD, além de jogar mais feio do que briga de foice no
escuro, também não ganha mais
nem do Caveirinha Futebol Clube,
citando um 11 clássico formado por
trabalhadores de funerárias e cemitérios da invicta e gloriosa Recife.
Não, amigo, não é pegar pesado,
ou "pessado", como nas piadas em
portunhol sobre os argentinos, mas
que maçada esses pebolins ou totós
humanos que estamos vendo.
Se isso é futebol, eu me chamo
Jorge Luis Borges, Adolfo Bioy Casares, Macedonio Fernández, Washington Cucurto, para citar só gênios da escrita do país de Maradona.
Na buena onda, nem sou de me irritar ou celebrar feitos canarinhos.
Sempre achei que futebol de seleção
e de Copa são para amadores e para
quem não aprecia, à vera, a lúdica e
grandiosa literatura feita com os
pés, a melhor das brincadeiras humanas. Mas o dunguismo é capaz de
tirar do sério até o dalai-lama, até
Maria do Socorro, minha santa madre, que só vê jogos do ex-escrete.
Certo está o Marcelo, basco-paulista-nordestino, amigo rock n" roll
do ABC, que trocou o dunguismo
pelo já tradicional desfile de lingeries do programa da Luciana Gimenez. Que alívio mudar de canal nessa
hora. Ufa! Eu limpei a vista com a
deliciosa pantaneira Juma Marruá,
além de passar no "Todo Seu", do genial Ronnie Von, o príncipe.
O duro foi encontrar o Magrão na
seqüência, o doutor Sócrates Brasileiro, lá no "Cartão Verde". Inevitável lembrar do fino da bola. Fiquei
saudoso como um português numa
gare se despedindo de um parente
que vai passar apenas uma semana
na Europa, como eles chamavam
outrora o resto do próprio continente. Até o Vitor Birner, o nosso Ballack, colega da mesma bancada, que
também prefere futebol de clube,
principalmente nas cores vermelho,
branca e preta, estava inconsolável.
Fica Dunga, só assim tiramos uma
bela soneca em berço esplêndido e
esquecemos de vez este lábaro que
ostentas estrelado!
xico.folha@uol.com.br
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