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Doping fez espiões e castigou esportistas
Governo alemão distribuía esteróides em troca de relatórios dos campeões
Drogas causaram efeitos colaterais irreversíveis, e
ex-agentes secretos que pararam de competir agora lutam por indenizações
DA REPORTAGEM LOCAL
O sistema que transformou
esportistas em espiões começou a esmorecer na Alemanha
Oriental com a queda do Muro
de Berlim, em 1989. Naquela
época, veio à tona o mais intrigante fundamento usado para
explicar a atitude dos atletas.
Ao menos 200 esportistas do
país procuraram a Justiça desde 90 até hoje alegando alterações profundas em seus corpos
por causa das pílulas que recebiam dos técnicos de seleções.
Os comprimidos eram produzidos pela Jenapharm, estatal que obedecia aos líderes comunistas e que controlava a indústria farmacêutica.
Em 1993, um laboratório independente provou que as cápsulas continham o esteróide
Oral-Turinabol, que aumenta a
potência muscular e é considerado substância dopante.
"Muitos competidores dependiam desses medicamentos
para brilhar nos torneios. Eles
não faziam idéia do mal que poderiam sofrer. Assim, faziam de
tudo para receber as doses periódicas. O governo pedia para
espionarem em troca de remédios. Eles espionavam", diz o
pesquisador Giselhe Spitzer.
Ele recorda casos curiosos,
que dão exata noção da dependência que a Stasi criou para
exigir relatórios. Uma atleta do
arremesso de peso baseada em
Leipizig, por exemplo, produziu informes que colocaram o
próprio pai na cadeia.
Ele era físico e supostamente
negociava contrato com uma
empresa localizada na então
Alemanha Ocidental.
Já um nadador delatou colegas de quarto da universidade
que tramavam um plano para
superar o Muro de Berlim e
tentar a vida no capitalismo.
"Muitos agora falam abertamente sobre a espionagem porque sofreram muito com as
conseqüências daquele sistema
de doping. As doses eram fortíssimas", relata o professor da
Universidade de Berlim.
Não há exagero em sua explanação. As cápsulas azuis entregues aos atletas continham
2.590 miligramas do esteróide,
quantidade suficiente para produzir situações extremas, como
a vivida por Andreas Krieger.
Na juventude, este cidadão
de 40 anos, casado, atendia pelo nome de Heidi e era destaque
nas provas femininas de arremesso de peso. Os efeitos colaterais das drogas causaram o
que especialistas chamam de
"virilização" -a voz engrossou,
os pêlos cresceram, a agressividade decolou. "Não tinha vontade de ser mulher", declarou.
Em 1997, conversou com um
médico e encontrou uma solução para seus tormentos: fez cirurgia para trocar de sexo.
Ele hoje busca reparação do
Estado. Michael Lehner, advogado que representa Andreas,
explicou à Folha que o processo deve ser julgado ainda neste
ano e que as recentes pesquisas
sobre o período podem sensibilizar os juízes. Lehner quer o
equivalente a R$ 60 mil de indenização.
(GUILHERME ROSEGUINI)
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