São Paulo, domingo, 20 de agosto de 2006

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Doping fez espiões e castigou esportistas

Governo alemão distribuía esteróides em troca de relatórios dos campeões

Drogas causaram efeitos colaterais irreversíveis, e ex-agentes secretos que pararam de competir agora lutam por indenizações


DA REPORTAGEM LOCAL

O sistema que transformou esportistas em espiões começou a esmorecer na Alemanha Oriental com a queda do Muro de Berlim, em 1989. Naquela época, veio à tona o mais intrigante fundamento usado para explicar a atitude dos atletas.
Ao menos 200 esportistas do país procuraram a Justiça desde 90 até hoje alegando alterações profundas em seus corpos por causa das pílulas que recebiam dos técnicos de seleções.
Os comprimidos eram produzidos pela Jenapharm, estatal que obedecia aos líderes comunistas e que controlava a indústria farmacêutica.
Em 1993, um laboratório independente provou que as cápsulas continham o esteróide Oral-Turinabol, que aumenta a potência muscular e é considerado substância dopante.
"Muitos competidores dependiam desses medicamentos para brilhar nos torneios. Eles não faziam idéia do mal que poderiam sofrer. Assim, faziam de tudo para receber as doses periódicas. O governo pedia para espionarem em troca de remédios. Eles espionavam", diz o pesquisador Giselhe Spitzer.
Ele recorda casos curiosos, que dão exata noção da dependência que a Stasi criou para exigir relatórios. Uma atleta do arremesso de peso baseada em Leipizig, por exemplo, produziu informes que colocaram o próprio pai na cadeia.
Ele era físico e supostamente negociava contrato com uma empresa localizada na então Alemanha Ocidental.
Já um nadador delatou colegas de quarto da universidade que tramavam um plano para superar o Muro de Berlim e tentar a vida no capitalismo.
"Muitos agora falam abertamente sobre a espionagem porque sofreram muito com as conseqüências daquele sistema de doping. As doses eram fortíssimas", relata o professor da Universidade de Berlim.
Não há exagero em sua explanação. As cápsulas azuis entregues aos atletas continham 2.590 miligramas do esteróide, quantidade suficiente para produzir situações extremas, como a vivida por Andreas Krieger.
Na juventude, este cidadão de 40 anos, casado, atendia pelo nome de Heidi e era destaque nas provas femininas de arremesso de peso. Os efeitos colaterais das drogas causaram o que especialistas chamam de "virilização" -a voz engrossou, os pêlos cresceram, a agressividade decolou. "Não tinha vontade de ser mulher", declarou.
Em 1997, conversou com um médico e encontrou uma solução para seus tormentos: fez cirurgia para trocar de sexo.
Ele hoje busca reparação do Estado. Michael Lehner, advogado que representa Andreas, explicou à Folha que o processo deve ser julgado ainda neste ano e que as recentes pesquisas sobre o período podem sensibilizar os juízes. Lehner quer o equivalente a R$ 60 mil de indenização. (GUILHERME ROSEGUINI)


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