|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Carta na manga
Conheça a taróloga que guiou os passos de Bernardinho no caminho do ouro
MARIANA LAJOLO
ENVIADA ESPECIAL A BELO HORIZONTE
Manhã em Atenas. Em frente à
tela do computador, Bernardinho
lê com atenção as instruções:
"Sinto os jogadores presos, precisam jogar com alegria. Você terá,
mais do que nunca, de ser um líder. Mas a vitória virá."
Então, respira mais aliviado.
A cena se repetiu diversas vezes
durante os Jogos Olímpicos.
A mensagem com as dicas para
as quartas-de-final contra a Polônia, enviada de Belo Horizonte,
era de Mari Senac, 40, taróloga.
O treinador que devora dezenas
de livros, profere palestras sobre
trabalho em equipe e motivação e
perde noites de sono analisando
estatísticas e vídeos para achar erros e acertos do time também ouve o que dizem as cartas para seguir sua trilha vencedora.
"Quando sinto que ele está meio
cético, dou um puxão de orelha e
digo que quem entende de vôlei
sou eu", brinca Mari.
A bronca da taróloga revela a intimidade entre os dois. Ela conheceu Bernardinho em 1996 por
causa de Fernanda Venturini,
quando ainda não eram casados.
Relutante no início, ele passou aos
poucos a se interessar pelas previsões e observações da taróloga.
Já a levantadora é mais do que
uma cliente. Fotos dela e de sua filha com o técnico, Júlia, 2, enfeitam a casa e o consultório de Mari. Nos versos, dedicatórias de várias partes do mundo.
A relação das duas começou em
1989, quando Fernanda vestia a
camisa do Minas. A curiosidade
da jogadora as aproximou, e elas
logo viraram amigas.
Mari acompanhou os títulos e
derrotas da atleta, tornou-se sua
companhia nos momentos de diversão quando solteira e assistiu
passo a passo à aproximação com
o futuro marido, Bernardinho.
"Eu dizia para ela que o amor
estava mais perto do que ela imaginava", lembra Mari, madrinha
de casamento do casal.
Fernanda ainda é, na maioria
das vezes, intermediária dos contatos entre Bernardinho e o tarô.
Na Olimpíada, a levantadora
trocou e-mails, mensagens pelo
celular e telefonemas diários com
a amiga. A tecnologia aproximou
ainda mais as duas, que sofriam
com chamadas rápidas e caras no
início da carreira da jogadora.
"Ela sempre pede para eu dizer
a "verdade verdadeira" e acender
uma vela. Ela é muito carinhosa,
muito pra frente. Dizem que eu
sou a guru do Bernardinho, mas a
verdadeira guru se chama Fernanda Venturini", afirma Mari.
Um dos e-mails mais importantes dos Jogos, porém, não teve intermediários. Mari não conteve a
euforia ao ver a medalha de ouro.
Antes mesmo de pisar na quadra para enfrentar a seleção da
Itália, o treinador já sabia o futuro
que as cartas apontavam para seu
time. Como ocorrera, aliás, em
várias partidas anteriores.
Mari fazia a análise das cartas
jogo por jogo. Sentada na sala repleta de artigos esotéricos, bruxinhas e bola de cristal, lia as cartas
em voz alta para um gravador.
Depois, parava em frente ao
computador e escrevia, set a set, o
que o tarô reservava. Fernanda fazia a ponte com Bernardinho.
A esotérica esbarra muitas vezes
no ceticismo do amigo, que é economista, filho de advogado tributarista e ex-professor universitário. "O tarô é um espelho do inconsciente. Ele analisa momentos
e indica caminhos. Mas, sozinho,
não adianta", explica Mari.
"O Bernardo gosta de ouvir o
que tenho a dizer, mas ainda diz
muitos "vamos ver...". Ele sabe que
só ter sorte e estrela não adianta
nada se a pessoa não fizer a sua
parte, trabalhar", diz a taróloga,
que vê nas previsões para a seleção a carta do Sol, que mostra um
grupo com sina de vencedor.
As cartas de Mari não mostraram só o que estava reservado para os campeões olímpicos na Grécia. Fernanda, que é a parte do casal curiosa sobre assuntos esotéricos, também recebia previsões.
"O mais difícil foi ver minha
previsão para a partida contra a
Rússia dar certo. As cartas mostravam que o quarto set seria decisivo. Eu via a medalha no pescoço da Fê. Mas também poderíamos perder, e seria para nós mesmas", relembra Mari, arrepiada e
com os olhos cheios de lágrimas,
ao falar da semifinal olímpica.
No quarto set, o Brasil abriu 24 a
19. Mas, a cinco pontos da inédita
final, desequilibrou-se e entregou
o jogo para as russas.
"O que a Mari fala não vai mudar o que eu tenho ou não de fazer. Mas, depois de ver que 99%
das coisas que ela fala dão certo,
têm muito a ver, eu gosto de ouvir", diz a levantadora.
O valor pago pelos amigos pelas
consultas, Mari não revela.
Se na Olimpíada ela não previu
futuro tão feliz, na nova empreitada de Bernardinho e Fernanda, o
diagnóstico é outro. A taróloga
afirma que a mudança do Rexona
de Curitiba para o Rio de Janeiro é
positiva. E vê pelo menos dois títulos nesta temporada -o primeiro já saiu, a Salonpas Cup.
Os contatos com Fernanda e
Bernardinho durante a Olimpíada exigiram esforço da taróloga.
Mari teve de pular várias vezes da
cama de madrugada para atender
aos chamados dos amigos.
A retribuição às noites sem dormir apareciam após as partidas.
Quando a câmera ainda estava ligada, mostrando a festa das jogadoras, Fernanda soltou beijos e
"obrigadas" à amiga.
Na final, após a conquista da
medalha de ouro, Mari caiu na
gargalhada quando viu o levantador Maurício gritar "eu já sabia".
"No dia seguinte, todo mundo
me perguntava: "Você andou falando com o Maurício, não é?'".
O jogador também é amigo da
taróloga, como mais de uma dezena de atletas. A proximidade
com o esporte lhe rendeu o apelido de "bruxa do vôlei", dado por
Márcia Fu, bronze em Atlanta-96.
Mari também é ligada ao futebol e assina coluna na revista do
Atlético-MG, seu time de coração.
Mas foi a amizade com Fernanda que a levou até a dar entrevistas ao "Fantástico".
Tudo porque a levantadora afirmou que não ficara nervosa ao assistir à final da Liga Mundial-2003, quando o Brasil bateu Sérvia e Montenegro em um tie-break de 31 a 29. Já sabia do título,
graças à previsão de Mari.
Texto Anterior: Painel FC Próximo Texto: Cartas Índice
|