São Paulo, quarta-feira, 20 de outubro de 2004

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Carta na manga

Conheça a taróloga que guiou os passos de Bernardinho no caminho do ouro

MARIANA LAJOLO
ENVIADA ESPECIAL A BELO HORIZONTE

Manhã em Atenas. Em frente à tela do computador, Bernardinho lê com atenção as instruções: "Sinto os jogadores presos, precisam jogar com alegria. Você terá, mais do que nunca, de ser um líder. Mas a vitória virá."
Então, respira mais aliviado.
A cena se repetiu diversas vezes durante os Jogos Olímpicos.
A mensagem com as dicas para as quartas-de-final contra a Polônia, enviada de Belo Horizonte, era de Mari Senac, 40, taróloga.
O treinador que devora dezenas de livros, profere palestras sobre trabalho em equipe e motivação e perde noites de sono analisando estatísticas e vídeos para achar erros e acertos do time também ouve o que dizem as cartas para seguir sua trilha vencedora.
"Quando sinto que ele está meio cético, dou um puxão de orelha e digo que quem entende de vôlei sou eu", brinca Mari.
A bronca da taróloga revela a intimidade entre os dois. Ela conheceu Bernardinho em 1996 por causa de Fernanda Venturini, quando ainda não eram casados. Relutante no início, ele passou aos poucos a se interessar pelas previsões e observações da taróloga.
Já a levantadora é mais do que uma cliente. Fotos dela e de sua filha com o técnico, Júlia, 2, enfeitam a casa e o consultório de Mari. Nos versos, dedicatórias de várias partes do mundo.
A relação das duas começou em 1989, quando Fernanda vestia a camisa do Minas. A curiosidade da jogadora as aproximou, e elas logo viraram amigas.
Mari acompanhou os títulos e derrotas da atleta, tornou-se sua companhia nos momentos de diversão quando solteira e assistiu passo a passo à aproximação com o futuro marido, Bernardinho.
"Eu dizia para ela que o amor estava mais perto do que ela imaginava", lembra Mari, madrinha de casamento do casal.
Fernanda ainda é, na maioria das vezes, intermediária dos contatos entre Bernardinho e o tarô.
Na Olimpíada, a levantadora trocou e-mails, mensagens pelo celular e telefonemas diários com a amiga. A tecnologia aproximou ainda mais as duas, que sofriam com chamadas rápidas e caras no início da carreira da jogadora.
"Ela sempre pede para eu dizer a "verdade verdadeira" e acender uma vela. Ela é muito carinhosa, muito pra frente. Dizem que eu sou a guru do Bernardinho, mas a verdadeira guru se chama Fernanda Venturini", afirma Mari.
Um dos e-mails mais importantes dos Jogos, porém, não teve intermediários. Mari não conteve a euforia ao ver a medalha de ouro.
Antes mesmo de pisar na quadra para enfrentar a seleção da Itália, o treinador já sabia o futuro que as cartas apontavam para seu time. Como ocorrera, aliás, em várias partidas anteriores.
Mari fazia a análise das cartas jogo por jogo. Sentada na sala repleta de artigos esotéricos, bruxinhas e bola de cristal, lia as cartas em voz alta para um gravador.
Depois, parava em frente ao computador e escrevia, set a set, o que o tarô reservava. Fernanda fazia a ponte com Bernardinho.
A esotérica esbarra muitas vezes no ceticismo do amigo, que é economista, filho de advogado tributarista e ex-professor universitário. "O tarô é um espelho do inconsciente. Ele analisa momentos e indica caminhos. Mas, sozinho, não adianta", explica Mari.
"O Bernardo gosta de ouvir o que tenho a dizer, mas ainda diz muitos "vamos ver...". Ele sabe que só ter sorte e estrela não adianta nada se a pessoa não fizer a sua parte, trabalhar", diz a taróloga, que vê nas previsões para a seleção a carta do Sol, que mostra um grupo com sina de vencedor.
As cartas de Mari não mostraram só o que estava reservado para os campeões olímpicos na Grécia. Fernanda, que é a parte do casal curiosa sobre assuntos esotéricos, também recebia previsões.
"O mais difícil foi ver minha previsão para a partida contra a Rússia dar certo. As cartas mostravam que o quarto set seria decisivo. Eu via a medalha no pescoço da Fê. Mas também poderíamos perder, e seria para nós mesmas", relembra Mari, arrepiada e com os olhos cheios de lágrimas, ao falar da semifinal olímpica.
No quarto set, o Brasil abriu 24 a 19. Mas, a cinco pontos da inédita final, desequilibrou-se e entregou o jogo para as russas.
"O que a Mari fala não vai mudar o que eu tenho ou não de fazer. Mas, depois de ver que 99% das coisas que ela fala dão certo, têm muito a ver, eu gosto de ouvir", diz a levantadora.
O valor pago pelos amigos pelas consultas, Mari não revela.
Se na Olimpíada ela não previu futuro tão feliz, na nova empreitada de Bernardinho e Fernanda, o diagnóstico é outro. A taróloga afirma que a mudança do Rexona de Curitiba para o Rio de Janeiro é positiva. E vê pelo menos dois títulos nesta temporada -o primeiro já saiu, a Salonpas Cup.
Os contatos com Fernanda e Bernardinho durante a Olimpíada exigiram esforço da taróloga. Mari teve de pular várias vezes da cama de madrugada para atender aos chamados dos amigos.
A retribuição às noites sem dormir apareciam após as partidas. Quando a câmera ainda estava ligada, mostrando a festa das jogadoras, Fernanda soltou beijos e "obrigadas" à amiga.
Na final, após a conquista da medalha de ouro, Mari caiu na gargalhada quando viu o levantador Maurício gritar "eu já sabia".
"No dia seguinte, todo mundo me perguntava: "Você andou falando com o Maurício, não é?'".
O jogador também é amigo da taróloga, como mais de uma dezena de atletas. A proximidade com o esporte lhe rendeu o apelido de "bruxa do vôlei", dado por Márcia Fu, bronze em Atlanta-96.
Mari também é ligada ao futebol e assina coluna na revista do Atlético-MG, seu time de coração.
Mas foi a amizade com Fernanda que a levou até a dar entrevistas ao "Fantástico".
Tudo porque a levantadora afirmou que não ficara nervosa ao assistir à final da Liga Mundial-2003, quando o Brasil bateu Sérvia e Montenegro em um tie-break de 31 a 29. Já sabia do título, graças à previsão de Mari.


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