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FUTEBOL
Anderson, Diogo, Wellington
JOSÉ ROBERTO TORERO
COLUNISTA DA FOLHA
Nada tem mais importância
agora. Nem a defesa acrobática, o passe milimétrico, o drible
desconcertante, o lançamento
que desenha um arco perfeito, a
bola que se aconchega no peito do
centroavante, o chute que estufa a
rede, a torcida que grita de felicidade... Nada mais tem graça nem
gosto. Morreu Anderson. Morreu
Diogo. Morreu Wellington.
Um não verá mais os gols de Tevez, outro não falará mais que
Leão é o melhor técnico do Brasil,
outro não dirá com orgulho que
seu time foi fundado no século retrasado. Morreram Anderson,
Diogo e Wellington.
Os assassinos foram outros torcedores, outros que compartilhavam o mesmo gosto pelo futebol.
Só mudavam a camisa e a bandeira. Tanto assassinos quanto
assassinados cantavam os hinos
de seus clubes, economizavam
para comprar ingressos e abraçavam seus colegas após um gol.
Anderson, Diogo e Wellington
eram jovens. Seus times ainda
marcariam milhares de gols e ganhariam centenas de partidas.
Por eles, Anderson, Diogo e Wellington viajariam, pulariam,
dançariam, beberiam, dariam risadas, chorariam. Mas agora não
há mais Anderson. Não há mais
Diogo. Não há mais Wellington.
Seus assassinos são covardes
que matam quando estão em
maioria ou armados. São jovens
que não se vêem representados
em nada. Nem partidos, nem associações de bairro, nem sindicatos, nem igrejas. Nada. Só se vêem
em seu time. Seu único grupo é
sua torcida. É uma gente que diz
que o futebol é a principal coisa
de sua vida. E, quando isso acontece, alguma coisa está errada.
O futebol não é mais importante que a arte, que a política, que o
Brasil, que sua cidade. Não é mais
importante que Anderson, que
Diogo, que Wellington.
Os torcedores que mataram estes torcedores não fundaram o
São Paulo, o Palmeiras ou o Corinthians. Não jogaram por eles,
nem trabalham para eles. Não fizeram sua glória nem conquistaram campeonatos. Se estes assassinos não existissem, seus times
não jogariam pior nem melhor.
São só pagantes de ingressos. Talvez os torcedores-assassinos pensem que, por fazer parte de uma
torcida, por amar um clube, façam parte de uma coisa maior.
Mas o futebol não é uma coisa
maior. O futebol é só futebol. E,
na verdade, na verdade mesmo, o
futebol não tem nenhuma importância. Ele não cura doenças, ele
não asfalta ruas, não constrói esgotos, não dá aumento nem
amor. É só um esporte. E os times
são apenas agremiações que nasceram para praticar este esporte.
Não nasceram para ser o motivo
de uma vida. Ou de uma morte.
Anderson, 26 anos, foi espancado por 15 pessoas.
Diogo, 23 anos, morreu com
uma bala nas costas.
Wellington, 25 anos, foi baleado
na cabeça.
Hoje não vejo a menor graça
em escrever sobre futebol. O futebol é assassino. O futebol é desonesto. O futebol é dinheiro e violência, é cobiça e ódio. Nada mais
tem importância hoje. Nada. Só
Anderson, Diogo e Wellington.
O país do futebol
Há poucos dias dei uma entrevista para estudantes que me
perguntaram se o Brasil é o país
do futebol. Falei que sim, e,
confesso, com orgulho. Disse
que nenhum outro país joga tão
bem quanto nós, nenhum tem
tantos jogadores em qualidade
e quantidade. Hoje, acho que
fui uma besta. Um imbecil.
Pensando melhor, é uma vergonha ser o país do futebol. Orgulho seria se fôssemos o país
da democracia, da honestidade,
o país sem fome, sem assassinatos. Você não escuta dizerem
que a Índia é o país do críquete,
que Cuba é o do beisebol, que
os EUA são o do futebol americano, que a China é o do tênis
de mesa. E não escuta porque
eles são bem mais que isso. Ser
o país do futebol é pouco para o
Brasil. Um prêmio de consolação. E que não consola.
@ - blogdotorero@uol.com.br
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