São Paulo, domingo, 20 de dezembro de 2009

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PAULO VINICIUS COELHO

A praga pública


Os estádios daqui foram concebidos sob a ideia fascista do papel do Estado. Times têm donos, arenas, não


BASTA TROCAR uma letrinha da sigla PPP (Parceria Público- -Privada) para entender o que aconteceu com a chance de haver dinheiro não estatal na reforma do Maracanã. Foi... para o espaço! Serão R$ 500 milhões do governo do RJ para deixar o estádio pronto para a final da Copa-2014.
Ninguém tem dúvida de que o Maraca é o palco ideal. Mas é papel do Estado arcar com toda essa despesa?
Em 2009, o São Paulo gastou perto de R$ 15 milhões nas reformas que já visam ao Mundial. Pouca gente se deu conta, mas o clube negociou espaços com empresas como Visa e Volkswagen. Até 2014, o Morumbi vai consumir R$ 240 milhões, metade do custo do Maracanã. E 50% desse valor vem de parceiros, como os dois citados acima.
Segundo o governador Sérgio Cabral, o governo do RJ decidiu arcar sozinho com a reforma do Maracanã porque não foi possível encontrar um fundo garantidor e isso inviabilizou a criação de uma PPP. Até agora, nenhum dos nove estádios públicos que sediarão a Copa conseguiu parceiros com dinheiro não estatal. O São Paulo, já.
Repare no andamento das obras dos estádios da Copa. No MT, Blairo Maggi anunciou em agosto a dispensa de licitação para a contratação da empresa que fará a reforma. Em Manaus, o governo arcará sozinho com todos os custos. Vá lá que o presidente Lula argumente que a crise mundial mostrou a necessidade de rediscutir o papel do Estado. Mas não vá dizer que esse papel chega à construção de arenas esportivas...
Há décadas, no Brasil, constrói-se estádio com dinheiro do governo, que, depois, não investe na sua manutenção. É por isso que periodicamente o presidente da CBF precisa assinar seu atestado de incompetência e reafirmar: após 20 anos de sua gestão, não deu ao país um único palco pronto para a Copa.
O modelo falido da construção e posterior destruição de estádios brasileiros tem tudo a ver com a discussão sobre o papel do Estado. Em 1927, o Vasco construiu São Januário com dinheiro dos comerciantes portugueses, porque os clubes rivais ameaçavam tirá-lo da primeira divisão se não tivesse campo próprio. Era o governo Washington Luís.
Com Getúlio Vargas, o papel mudou. É dessa época o Pacaembu. Dessa época também é a cultura do gasto público, que produziu o Maracanã, já no governo Dutra. O modelo brasileiro é o mesmo da Itália, onde os clubes têm donos, e os estádios, não -públicos, foram construídos nos anos de Mussolini.
Os estádios daqui foram concebidos sob a mesma ideia fascista do papel do Estado. Oito dos palcos da Copa que exigem obras faraônicas nasceram na ditadura militar, que ergueu elefantes brancos em quase todas as capitais do país. A exceção sempre foi o RS, onde Inter e Grêmio fizeram suas casas -e o Tricolor prepara-se para ter nova sede com seu dinheiro e o de parceiros.
Hoje, os clubes investem, porque aprenderam a arrecadar com seus estádios. Até 2003, o Morumbi dava prejuízo. Em 2009, ganhou R$ 23 milhões, fruto das vendas de espaços para empresas. O Morumbi luta para sediar a abertura, o Maracanã tem certeza de que fará a final. Mas as obras já começaram no Morumbi. No Maracanã, ainda não.

pvc@uol.com.br

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