São Paulo, quinta, 21 de agosto de 1997.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

No tempo em que a CBF era "madrasta"

MATINAS SUZUKI JR.
do Conselho Editorial

Meus amigos, meus inimigos, na longa conversa que tive mos, na semana passada, Tos tão mencionou o fato de ele mesmo, durante certo período de tempo, ter achado que o fu tebol era uma coisa menor do ponto de vista intelectual.
Hoje, Tostão (que enriquece as estantes sobre o tema com o volume que está lançando pela DBA) pensa de maneira dife rente -e os tempos são real mente diferentes.
Cresce bastante o número de livros sobre esportes em geral -e, no Brasil, sobre o futebol, em particular- e o assunto passa a ser mais discutido por intelectuais, escritores, empre sários, políticos etc.
O futebol não é mais só o fu tebol, mas tudo o que gira em torno dele.
Apesar dessa mudança, o Brasil até que não pode se queixar da relação que os es critores (e também os músicos e compositores) mantiveram com o futebol durante todo o século 20, o século do futebol.
Quase todos os escritores brasileiros importantes deste século deram a sua palhinha sobre o fut.
Um escritor e ex-jogador de futebol estrangeiro como Al bert Camus pôde até registrar, no seu atormentado diário da viagem pelo Brasil, que o tema futebol foi o que mais desper tou a atenção dos intelectuais que participavam de um en contro em sua homenagem, no Rio -embora ele não deixasse de registrar também que a an fitriã preferisse discutir Proust.
Faço essa longa introdução para registrar as passagens so bre o tema futebol que o histo riador e corintiano Boris Faus to (ele mesmo um colaborador eventual deste espaço, às sex tas-feiras) relata no livro que acaba de lançar, "Negócios e Ócios - Histórias da Imigra ção" (Companhia das Letras).
Fausto recorta uma interes sante filigrana da história mo derna brasileira, a incorpora ção à sociedade local dos imi grantes deste século -no caso dele, descendente de judeus se faradis de Ourla, na Turquia.
Sem dúvida, o futebol foi um elemento aglutinador, uma das fontes de possível identi dade brasileiríssima entre fi lhos e netos de árabes, judeus, espanhóis, italianos, alemães e japoneses, os desterrados deste século que ajudaram a cons truir a cara do Brasil.
No caso do futebol, havia uma particularidade interes sante, porque ao mesmo tempo em que era uma identidade que unia dessemelhantes, ele também servia para desunir: Boris rivalizava com seu primo Alberto, são-paulino (e não foi assim na casa de muita gente, inclusive a minha, neto de imi grantes japoneses?).
Apenas para mostrar para você a atmosfera rica de expe riências que foi um jogo de fu tebol, mesmo ouvido pelo rá dio, cito um trechinho de uma das passagens do livro do Boris que se referem ao esporte:
"Os professores de português que me desculpem, mas foi com essa gente (os locutores e comentaristas de rádio, nota minha) que aprendi as circun voluções da língua, tecidas com as intrigas urdidas à soca pa ou à sorrelfa pelos dirigen tes da 'madrasta' (a CBD, ago ra CBF, observação minha), com o calor senegalesco que se abatia sobre a geral, com o es forço hercúleo do guarda-va las, ou os erros calamitosos da arbitragem, 'sua senhoria, dando por paus e pedras"'.


Matinas Suzuki Jr. escreve às terças, quinta e sábados



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice



Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita do Universo Online ou do detentor do copyright.