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No tempo em que a CBF era "madrasta"
MATINAS SUZUKI JR.
do Conselho Editorial
Meus amigos, meus inimigos,
na longa conversa que tive
mos, na semana passada, Tos
tão mencionou o fato de ele
mesmo, durante certo período
de tempo, ter achado que o fu
tebol era uma coisa menor do
ponto de vista intelectual.
Hoje, Tostão (que enriquece
as estantes sobre o tema com o
volume que está lançando pela
DBA) pensa de maneira dife
rente -e os tempos são real
mente diferentes.
Cresce bastante o número de
livros sobre esportes em geral
-e, no Brasil, sobre o futebol,
em particular- e o assunto
passa a ser mais discutido por
intelectuais, escritores, empre
sários, políticos etc.
O futebol não é mais só o fu
tebol, mas tudo o que gira em
torno dele.
Apesar dessa mudança, o
Brasil até que não pode se
queixar da relação que os es
critores (e também os músicos
e compositores) mantiveram
com o futebol durante todo o
século 20, o século do futebol.
Quase todos os escritores
brasileiros importantes deste
século deram a sua palhinha
sobre o fut.
Um escritor e ex-jogador de
futebol estrangeiro como Al
bert Camus pôde até registrar,
no seu atormentado diário da
viagem pelo Brasil, que o tema
futebol foi o que mais desper
tou a atenção dos intelectuais
que participavam de um en
contro em sua homenagem, no
Rio -embora ele não deixasse
de registrar também que a an
fitriã preferisse discutir Proust.
Faço essa longa introdução
para registrar as passagens so
bre o tema futebol que o histo
riador e corintiano Boris Faus
to (ele mesmo um colaborador
eventual deste espaço, às sex
tas-feiras) relata no livro que
acaba de lançar, "Negócios e
Ócios - Histórias da Imigra
ção" (Companhia das Letras).
Fausto recorta uma interes
sante filigrana da história mo
derna brasileira, a incorpora
ção à sociedade local dos imi
grantes deste século -no caso
dele, descendente de judeus se
faradis de Ourla, na Turquia.
Sem dúvida, o futebol foi um
elemento aglutinador, uma
das fontes de possível identi
dade brasileiríssima entre fi
lhos e netos de árabes, judeus,
espanhóis, italianos, alemães e
japoneses, os desterrados deste
século que ajudaram a cons
truir a cara do Brasil.
No caso do futebol, havia
uma particularidade interes
sante, porque ao mesmo tempo
em que era uma identidade
que unia dessemelhantes, ele
também servia para desunir:
Boris rivalizava com seu primo
Alberto, são-paulino (e não foi
assim na casa de muita gente,
inclusive a minha, neto de imi
grantes japoneses?).
Apenas para mostrar para
você a atmosfera rica de expe
riências que foi um jogo de fu
tebol, mesmo ouvido pelo rá
dio, cito um trechinho de uma
das passagens do livro do Boris
que se referem ao esporte:
"Os professores de português
que me desculpem, mas foi
com essa gente (os locutores e
comentaristas de rádio, nota
minha) que aprendi as circun
voluções da língua, tecidas
com as intrigas urdidas à soca
pa ou à sorrelfa pelos dirigen
tes da 'madrasta' (a CBD, ago
ra CBF, observação minha),
com o calor senegalesco que se
abatia sobre a geral, com o es
forço hercúleo do guarda-va
las, ou os erros calamitosos da
arbitragem, 'sua senhoria,
dando por paus e pedras"'.
Matinas Suzuki Jr. escreve às terças, quinta e
sábados
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