São Paulo, domingo, 21 de outubro de 2007

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Hamilton foi escolhido, ele não

Reprodução
Os pilotos da McLaren em 1998; no alto, Simon, Heidfield, Hakkinen, Coulthard, Zonta e Minassian; agachados, Graves e Hamilton


A história do garoto que entrou para a McLaren com a sensação da F-1, mas ficou pelo caminho

Colega de kart de prodígio em programa da McLaren, Wesley Graves hoje está desempregado, deprimido e não quer ouvir falar de GPs

DA REPORTAGEM LOCAL

Dez anos atrás, dois garotos ingleses ganharam as páginas das revistas especializadas em automobilismo mundo afora.
A história era boa. Lewis Hamilton, 12, e Wesley Graves, 11, haviam sido selecionados para o então recém-criado Campeões do Futuro, programa de desenvolvimento de pilotos da McLaren e da Mercedes-Benz.
São os dois meninos da foto, agachados junto a um kart, fazendo companhia a outros integrantes da hierarquia das duas marcas. No topo, ladeando o F-1, estavam Mika Hakkinen e David Coulthard.
A história continua boa, sensacional, admirável para um deles. Hoje, em Interlagos, Hamilton, 22, corre para quebrar marcas, tabus, tornar-se campeão mundial do campeonato máximo do esporte a motor.
Para o outro, Graves, 21, a história é triste, chocante, deprimente. Hoje, no apartamento popular em que mora com os pais, em Leicester, centro da Inglaterra, a TV estará desligada na hora do GP. Ou em algum canal que não o da F-1. Recomendação médica. Mais uma.
Desde o início do ano, ou melhor, desde a abertura da temporada, o que era uma decepção profunda recebeu diagnóstico de depressão. Desempregado, há sete anos sem correr, Graves começou a se abater com o sucesso do ex-colega.
A ponto de Steve e Christine, seus pais, terem que tirar das prateleiras e paredes de casa todas as fotos e troféus que o remetessem ao tempo do kart.
A ponto de impedirem o rapaz de assistir às corridas pela TV. A ponto de não atenderem mais a imprensa. Após uma entrevista para o "Guardian" e uma participação em um programa de rádio da BBC, sempre usando seu caso como contraponto para Hamilton, Graves não falou mais com jornalistas.
A reportagem da Folha tentou. Telefonou para todos os 19 Graves de Leicester. Em algum momento, Steve, Christine ou Wesley atendeu. Mas negou ser ali a casa do ex-garoto prodígio.
Ao "Guardian", na primeira reportagem após a redescoberta, ele deu pistas de que a fase de entrevistado duraria pouco.
"Acho horrível ficar sentado aqui, falando para você sobre o que eu poderia ter sido, sobre o que eu deveria ter sido e não fui. É horrível. Odeio isso. Fico ouvindo histórias sobre o quanto Lewis ganha de dinheiro... Isso fica na minha cabeça. E eu odeio isso tudo. Tiraram tudo isso de mim", declarou.
A mágoa de Graves é menos com Hamilton, muito mais com a McLaren e a Mercedes.
Fanático por automobilismo desde a infância -imitava sons de carros pela casa-, começou a correr de kart aos quatro anos, bancado pelo pai, então dono de pequena construtora.
Seguiu então a rota de vários dos pilotos que estarão hoje em Interlagos: começou a ganhar provas, campeonatos, a chamar a atenção do meio. "Eu gastava 2.000 libras [R$ 7.340 em valores atuais] por mês na carreira dele. Via como um investimento", disse Steve ao "Guardian".
Foi quando a família foi procurada por emissários de Ron Dennis, da McLaren. E, sem pestanejar, fechou o contrato.
O clima era de puro otimismo. Ânimo que transborda da reportagem da "Stars and Cars", revista da Mercedes, edição verão de 1998, de onde a foto do programa Campeões do Futuro foi tirada. "No kart, os jovens britânicos Lewis Hamilton e Wesley Graves estão voando com nossa bandeira para a vitória", vaticina o texto.
Para a família Graves, não foi bem assim. A adesão ao programa, segundo eles, foi o início do fim. Ele acusam a McLaren de favorecer Hamilton desde o início. E alegam que, presos ao contrato, perderam o controle sobre a carreira do menino.
"Eles queriam de qualquer maneira criar o primeiro piloto negro da F-1", declarou Graves na entrevista concedida à BBC.
Ele afirma ter sido colocado numa categoria de kart pior que a do colega. O resultado: após um ano de programa, foi dispensado pela McLaren.
O investimento da família foi para o ralo. Afundado em dívidas e sem perspectiva de retorno, Steve fechou a empresa. Hoje, é jardineiro. O garoto tentou correr algumas vezes. A última, em 2000. Sem ocupação desde que saiu do colégio, ajuda o pai a cortar grama.
É o que, por ora, lhe resta.
(FÁBIO SEIXAS E TATIANA CUNHA)

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