|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Hamilton foi escolhido, ele não
Reprodução
|
Os pilotos da McLaren em 1998; no alto, Simon, Heidfield, Hakkinen, Coulthard, Zonta e Minassian; agachados, Graves e Hamilton |
A história do garoto que entrou para a McLaren com a sensação da F-1, mas ficou pelo caminho
Colega de kart de prodígio em programa da McLaren,
Wesley Graves hoje está
desempregado, deprimido e não quer ouvir falar de GPs
DA REPORTAGEM LOCAL
Dez anos atrás, dois garotos
ingleses ganharam as páginas
das revistas especializadas em
automobilismo mundo afora.
A história era boa. Lewis Hamilton, 12, e Wesley Graves, 11,
haviam sido selecionados para
o então recém-criado Campeões do Futuro, programa de
desenvolvimento de pilotos da
McLaren e da Mercedes-Benz.
São os dois meninos da foto, agachados junto a
um kart, fazendo companhia a
outros integrantes da hierarquia das duas marcas. No topo,
ladeando o F-1, estavam Mika
Hakkinen e David Coulthard.
A história continua boa, sensacional, admirável para um
deles. Hoje, em Interlagos, Hamilton, 22, corre para quebrar
marcas, tabus, tornar-se campeão mundial do campeonato
máximo do esporte a motor.
Para o outro, Graves, 21, a
história é triste, chocante, deprimente. Hoje, no apartamento popular em que mora com os
pais, em Leicester, centro da
Inglaterra, a TV estará desligada na hora do GP. Ou em algum
canal que não o da F-1. Recomendação médica. Mais uma.
Desde o início do ano, ou melhor, desde a abertura da temporada, o que era uma decepção profunda recebeu diagnóstico de depressão. Desempregado, há sete anos sem correr,
Graves começou a se abater
com o sucesso do ex-colega.
A ponto de Steve e Christine,
seus pais, terem que tirar das
prateleiras e paredes de casa
todas as fotos e troféus que o
remetessem ao tempo do kart.
A ponto de impedirem o rapaz de assistir às corridas pela
TV. A ponto de não atenderem
mais a imprensa. Após uma entrevista para o "Guardian" e
uma participação em um programa de rádio da BBC, sempre
usando seu caso como contraponto para Hamilton, Graves
não falou mais com jornalistas.
A reportagem da Folha tentou. Telefonou para todos os 19
Graves de Leicester. Em algum
momento, Steve, Christine ou
Wesley atendeu. Mas negou ser
ali a casa do ex-garoto prodígio.
Ao "Guardian", na primeira
reportagem após a redescoberta, ele deu pistas de que a fase
de entrevistado duraria pouco.
"Acho horrível ficar sentado
aqui, falando para você sobre o
que eu poderia ter sido, sobre o
que eu deveria ter sido e não
fui. É horrível. Odeio isso. Fico
ouvindo histórias sobre o
quanto Lewis ganha de dinheiro... Isso fica na minha cabeça.
E eu odeio isso tudo. Tiraram
tudo isso de mim", declarou.
A mágoa de Graves é menos
com Hamilton, muito mais
com a McLaren e a Mercedes.
Fanático por automobilismo
desde a infância -imitava sons
de carros pela casa-, começou
a correr de kart aos quatro
anos, bancado pelo pai, então
dono de pequena construtora.
Seguiu então a rota de vários
dos pilotos que estarão hoje em
Interlagos: começou a ganhar
provas, campeonatos, a chamar
a atenção do meio. "Eu gastava
2.000 libras [R$ 7.340 em valores atuais] por mês na carreira
dele. Via como um investimento", disse Steve ao "Guardian".
Foi quando a família foi procurada por emissários de Ron
Dennis, da McLaren. E, sem
pestanejar, fechou o contrato.
O clima era de puro otimismo. Ânimo que transborda da
reportagem da "Stars and
Cars", revista da Mercedes,
edição verão de 1998, de onde a
foto do programa Campeões do
Futuro foi tirada. "No kart, os
jovens britânicos Lewis Hamilton e Wesley Graves estão
voando com nossa bandeira
para a vitória", vaticina o texto.
Para a família Graves, não foi
bem assim. A adesão ao programa, segundo eles, foi o início do
fim. Ele acusam a McLaren de
favorecer Hamilton desde o
início. E alegam que, presos ao
contrato, perderam o controle
sobre a carreira do menino.
"Eles queriam de qualquer
maneira criar o primeiro piloto
negro da F-1", declarou Graves
na entrevista concedida à BBC.
Ele afirma ter sido colocado
numa categoria de kart pior
que a do colega. O resultado:
após um ano de programa, foi
dispensado pela McLaren.
O investimento da família foi
para o ralo. Afundado em dívidas e sem perspectiva de retorno, Steve fechou a empresa.
Hoje, é jardineiro. O garoto
tentou correr algumas vezes. A
última, em 2000. Sem ocupação desde que saiu do colégio,
ajuda o pai a cortar grama.
É o que, por ora, lhe resta.
(FÁBIO SEIXAS E TATIANA CUNHA)
Texto Anterior: Identidade: Times exibem estilos até nos pés Próximo Texto: Interlagos revê hoje 5 pilotos da foto Índice
|