São Paulo, sábado, 22 de janeiro de 2011

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JOSÉ GERALDO COUTO

Chama o exorcista


Uma frase do empresário de Adriano faz pensar na presença do além no futebol


"SÓ UM EXORCISTA resolve." A frase é do empresário de Adriano, Roberto Calenda, e se refere à série de infortúnios que vem atingindo o jogador. O último deles foi um deslocamento no ombro numa partida da Roma contra a Lazio.
Brincadeira ou não, a declaração de Calenda atesta a sobrevivência da crença nas coisas do além, tanto no mundo do futebol como fora dele.
Sou o que se costuma chamar de agnóstico. De acordo com o Houaiss, o agnosticismo é a "doutrina que reputa inacessível ou incognoscível ao entendimento humano a compreensão dos problemas propostos pela metafísica ou religião (a existência de Deus, o sentido da vida e do universo etc.), na medida em que ultrapassam o método empírico de comprovação científica".
Vale dizer que respeito todas as religiões, crenças, mandingas e simpatias, desde que não queiram se impor aos outros na marra ou na base da intimidação.
Em português bem claro e grosso, desde que não encham o saco de ninguém.
Quase fui linchado (no sentido figurado, mas nem tanto) por fanáticos evangélicos quando critiquei aqui o alinhamento automático de Kaká aos líderes da igreja que ele frequentava, acusados de crimes sérios nos Estados Unidos e no Brasil.
Hoje, ironicamente, o próprio Kaká e sua devota esposa romperam com a tal igreja.
O sentimento religioso, a busca do sagrado, o temor do que está além do visível e palpável, tudo isso inspirou ao longo da história algumas das mais sublimes criações humanas: catedrais, sinfonias, templos, danças, poemas, filmes.
Na esfera do cotidiano, as práticas e costumes de raiz religiosa dão colorido e graça ao comportamento das pessoas. É o sinal da cruz, os três toques na madeira, a figa pendurada no pescoço ou a fita do Bonfim no pulso.
Eu me acostumei a ver nove entre dez boleiros entrar com o pé direito no campo, passar a mão na grama para fazer o sinal da cruz, e nove entre dez goleiros dar três chutinhos em cada trave e traçar um risco imaginário diante do gol, para "fechá-lo".
Mas será que isso ainda é assim? O avanço das seitas evangélicas, paralelo ao declínio das religiões afro-brasileiras e do "nosso catolicismo festeiro, santeiro e macumbeiro" (como dizia Darcy Ribeiro), tende a descolorir um pouco esse quadro e a reduzir tudo a uma luta contra o demônio. Nesse caso, só mesmo chamando o exorcista.

jgcouto@uol.com.br


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