São Paulo, quinta-feira, 22 de março de 2007

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JOSÉ ROBERTO TORERO

Ah, amado amante...

É aquele com desempenho físico exuberante, faz jogadas diferentes, penetrações imprevisíveis, surpreende

FIEL LEITOR , leal leitora, eis um fato incontestável: há jogadores que nasceram com vocação para amantes. Não, não estou falando que eles nasceram para o adultério, para os encontros furtivos com mulheres casadas em motéis de cortinas lilases e abajures vermelhos. Explico melhor: o jogador-amante é aquele reserva que só entra na partida de vez em quando, mas aí põe fogo no time.
Vários ficaram famosos por seguir este roteiro: entravam no segundo tempo e, diante de marcadores exaustos, nos maravilhavam com gols acrobáticos e jogadas galantes. Naqueles poucos instantes, o jogador-amante mostra um desempenho físico exuberante, faz jogadas diferentes, penetrações imprevisíveis, surpreende. Quantas vezes a vitória não veio de seus pés ágeis e de seus chutes certeiros?
Depois de ver tal eficiência, não poucos torcedores se deixaram levar pela sedução dos amantes e sonharam em transformá-los em maridos, ou seja, titulares absolutos. Foi o sonho de muitos, foi a desilusão de tantos. Quem nasceu para libélula não suporta ser formiga. Escalados desde o princípio, os amásios murcham ao se verem diante das enfadonhas obrigações táticas e no jogo seguinte acabam voltando para o banco. Sua especialidade são aqueles poucos minutos, aquela meia hora especial e única.
Todos os times já tiveram jogadores-amantes em suas fileiras. E eles são muito úteis. A sabedoria manda: não dispense os maridos; de vez em quando, recorra aos amantes. O exemplo mais claro talvez seja Escurinho. No Palmeiras, mas principalmente no Internacional, ele entrava e fazia a diferença. Porém, se começasse jogando, não era assim tão virtuoso. Escurinho não era um jogador para o ramerrame de uma longa partida. Sua especialidade era coruscar num instante fugaz.
Há exemplos em outros clubes. Os corintianos com mais de 40 se lembrarão de Adãozinho. Os palmeirenses de 30, de Euller. Os santistas de 20, de Basílio. Os motivos que justificam estes amantes são vários. O primeiro que me vem à cabeça é a velocidade. Em geral, os jogadores-amantes são muito rápidos e, assim, se saem melhor quando pegam um marcador já cansado. Se entram no começo da partida, enfrentam atletas com todo o gás e não conseguem fazer milagres, não conseguem aquele meio metro de vantagem que permite o chute tranqüilo ou o cruzamento perfeito. E, no final do jogo, quando costumam dar seu show, já estão exaustos.
Outro motivo, que me foi dito pelo técnico Pepe há algum tempo, é que alguns jogadores só entendem a partida ao vê-la de fora. Aí, depois de observar seus pares do banco, ele sabe por onde ir, qual o ponto fraco do marcador, como estão seus companheiros etc... Mas, se ele começa o jogo dentro do campo, não consegue enxergar estas sutilezas, não consegue ver os atalhos do campo.
Boa parte dos jogadores-amantes tem uma certa altivez ao vestir o colete de reservas. Chegam a sorrir intimamente. Sabem que mais cedo ou mais tarde serão chamados e então, em poucos minutos, farão sua mágica de novo: a jogada rápida, o gol, o estádio explodindo de felicidade.
Outros, porém, sofrem secretamente. Sonham com a estabilidade de jogar os 90 minutos. E mais os acréscimos. Sonham em se aquecer dentro de campo, em dar entrevistas no intervalo. Sonham em jogar todo o tempo, mas com a mesma intensidade de um jogador que só participa de um pedaço da partida. Querem ter, simultaneamente, as qualidades de amante e marido. Mas isso é difícil de conseguir. Quase impossível. As mulheres e os técnicos que o digam.

torero@uol.com.br


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