São Paulo, domingo, 22 de março de 1998

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JUCA KFOURI
As críticas de Pelé

Adoro discutir futebol com Pelé. Adoro provocá-lo e, como arrogância pouca é bobagem, adoro divergir dele.
A começar pelo começo, pela posição de goleiro.
Por motivos óbvios, o goleiro predileto do rei atende pelo nome de Edinho.
Até aí tudo bem, nada mais natural e nem comento.
Mas é daí em diante que o carro pega para valer.
Pelé me dá a impressão de ter sido tão extraordinariamente bom (e foi!!!) pelos gramados do mundo afora que acaba não prestando muita atenção quando está fora de campo.
Aquilo que ele fazia era tão espontâneo, sua intuição tão fabulosa, que, ao comentar jogos e jogadas dos outros, acaba exigindo que façam como ele fazia e, desnecessário dizer, comete injustiças.
Não é de hoje, por exemplo, que Pelé olha desconfiado para a dupla Ro-Ro.
Ora ele acha que os dois têm estilos semelhantes e por isso não podem jogar juntos, ora ele avalia que Romário não tem mais condições físicas para disputar a Copa.
Então, brigamos.
Provoco ele, digo que é ciúmes e tento ensinar o Padre Nosso ao vigário.
Como são estilos semelhantes, se Romário é o bicho dentro da área, e Ronaldinho é vigoroso, capaz de levar uma defesa inteira de roldão?
Como são estilos parecidos se Romário já provou ser capaz de servir maravilhosamente, e Ronaldinho nasceu para ser servido?
Ele me olha com aquele olhar de superioridade e diz que o problema no Brasil é que a maioria dos críticos jamais jogou futebol.
Não me calo, é claro, nem me abalo e retruco com Tostão, que também escala a dupla Ro-Ro sem pestanejar.
Pelé sorri com aquele sorriso de superioridade e responde que Tostão é mineiro e não quer comprar brigas já perdidas, ao contrário dele, que dá a cara para bater.
"E você também não é mineiro, uai?", pergunto, certo de que ganhei a discussão.
"Sou, mas daqueles raros que dão uma boiada por um boa briga", arremata.
Verdade. Pelé não foge de uma boa discussão e quando critica o excesso de jogos inúteis feitos pela seleção está apenas constatando o óbvio, sem medo de ferir suscetibilidades ou o bolso da CBF.
Mas que está enganado em relação a Romário e Ronaldinho está, tão enganado como quem achava que Pelé e Tostão não podiam jogar juntos, né Zagallo?



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