São Paulo, sábado, 22 de abril de 2006

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FUTEBOL

Estrategista, enérgico, carismático, Telê armou quadrado mágico em 82

Treinador converteu tática em coreografia guerreira

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

Se há uma palavra para definir, em seus momentos felizes, o futebol dos times que Telê Santana comandou, essa palavra é fluência. Suas melhores equipes, como a seleção de 1982 e o São Paulo de 1992, justificavam o surrado clichê: "jogavam por música".
Em vez da truncada alternância entre correria e pasmaceira que caracteriza a maior parte do futebol atual, o que se via em campo era uma movimentação constante, ritmada, não apenas daquele que estava com a bola, mas dos seus companheiros, sempre buscando abrir espaços e oferecer opções inesperadas.
Os comandados do treinador Telê eram como que desdobramentos do Telê jogador, assim descrito por Mario Filho numa crônica de 1956: "Telê está sempre se colocando, mudando de posição, e de olho na bola, ela esteja perto ou longe".
O ápice desse estilo de atuação ocorreu na Copa da Espanha, em 82. Poucas vezes o futebol se aproximou tanto da música, da dança e da poesia quanto naquelas partidas de Zico, Sócrates, Falcão e companhia.
Aquele esquadrão foi duplamente injustiçado: primeiro, pelos deuses da bola, que não lhe permitiram, além de encantar, vencer. Disso surgiu a segunda injustiça, de uma parcela da crônica esportiva e dos próprios torcedores: passou-se a condenar aquele time fabuloso como um bando de fracassados, uma trupe de bailarinos que calçava sapatilhas em vez de chuteiras. Como se a beleza fosse pecado e a alegria fosse crime. E como se, no futebol, não existisse o acaso.
Ainda hoje é possível ouvir esse triste discurso. Convido os críticos da seleção de 82 a reverem aqueles jogos com o espírito desarmado. Se continuarem ranzinzas, são um caso perdido.
Em 86, Telê tentou repetir a receita no México, desta vez temperada com um pouco mais de pragmatismo. Mas sem Cerezo, com Zico e Falcão contundidos e Sócrates fora de sua melhor forma, o quadrado mágico se rompeu. Com Elzo e Alemão no meio não era a mesma coisa. Mesmo assim, o Brasil foi eliminado da Copa na sua melhor partida, contra a França, mais uma vez por conta do acaso.
No comando do São Paulo, em 92 e 93, Telê conseguiu reger novamente uma orquestra afinada, e o futebol voltou a fluir como uma coreografia marcial que desconcerta o adversário. E, dessa vez, venceu o melhor.
Alguns treinadores são estrategistas, outros são líderes carismáticos, outros são pais autoritários.
Telê foi tudo isso e muito mais: Telê foi um artista.


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