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ARTIGO
Telê, o deus detalhista e das pequenas coisas
MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL
Telê Santana foi o deus
das pequenas coisas do futebol. Não estava interessado
em grandes esquemas, como o
Carrossel holandês da Copa do
Mundo de 1974. Sua obsessão
eram os detalhes: o passe preciso, a cabeçada certeira, o cruzamento letal. A magia só podia nascer dos pés daqueles que
dominassem todos os pequenos
truques básicos do futebol
-essa era sua ética.
Uma imagem de 1992 poderia representar esse deus das
pequenas coisas: Telê está curvado sobre o gramado do centro de treinamento do São
Paulo a catar paquinhas,
aquele tipo de grilo que devora
a raiz da grama.
A obsessão de Telê pelas paquinhas não tinha nada de folclórico. Ele matava esses insetos porque, ao roerem a raiz do
gramado, eles criavam buracos
que atrapalhavam a trajetória
da bola, desviavam os passes,
desestabilizavam tudo o que
ensinara aos jogadores. O acaso deve nascer do jogo, não de
acidentes evitáveis do gramado, era a sua fé.
Como todo deus detalhista,
Telê era ranzinza, ranheta e
turrão. Em 1992, quando o São
Paulo se preparava para disputar o primeiro dos dois títulos
mundiais que Telê conquistaria, vi durante semanas duas
cenas que ilustram o método
do técnico: ele ensinou Cafu a
fazer cruzamentos precisos na
área e transformou Raí num
batedor de faltas.
Nessa época, Cafu tinha um
preparo físico de fazer inveja a
maratonista, mas seus piques
de lateral sempre tinham um
resultado desastroso porque
não sabia jogar a bola na pequena área de forma a ameaçar o gol adversário.
Após os treinos, Telê chamava Cafu, e o lateral ficava repetindo até o desespero os lançamentos. Telê se exasperava
com os erros, franzia o senho,
praguejava e pedia a bola. Aí,
para vergonha de Cafu, aquele
senhor de 60 anos mostrava como fazer um cruzamento com
a bola correndo. Quem viu as
últimas três Copas, sabe que o
método funcionou.
Com Raí, a implicância de
Telê era com a falta de pontaria. Como um craque daqueles
não sabia bater faltas com precisão? Por que ele não conseguia pôr a bola onde desejava?
Foi Telê quem exterminou o
cobrador errático de faltas que
era Raí. O método foi idêntico
ao aplicado a Cafu: a repetição
até a exaustão.
Quando Raí ficava nervoso,
por não conseguir colocar a bola onde o técnico ordenava, Telê pegava a bola e tratava o jogador como se fosse um menino iniciante: dava chutes certeiros em alvos previamente
anunciados. Fazia isso sem
qualquer exibicionismo. Sua
intenção era simples: queria
demonstrar que a matéria ensinada ali não tinha nada de
inatingível.
Só um obsessivo como Telê
conseguiria transformar o cangaceiro Júnior Baiano em cavalheiro da zaga, irreconhecível na elegância adquirida.
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