São Paulo, sábado, 22 de abril de 2006

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ARTIGO

Telê, o deus detalhista e das pequenas coisas

MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

Telê Santana foi o deus das pequenas coisas do futebol. Não estava interessado em grandes esquemas, como o Carrossel holandês da Copa do Mundo de 1974. Sua obsessão eram os detalhes: o passe preciso, a cabeçada certeira, o cruzamento letal. A magia só podia nascer dos pés daqueles que dominassem todos os pequenos truques básicos do futebol -essa era sua ética.
Uma imagem de 1992 poderia representar esse deus das pequenas coisas: Telê está curvado sobre o gramado do centro de treinamento do São Paulo a catar paquinhas, aquele tipo de grilo que devora a raiz da grama.
A obsessão de Telê pelas paquinhas não tinha nada de folclórico. Ele matava esses insetos porque, ao roerem a raiz do gramado, eles criavam buracos que atrapalhavam a trajetória da bola, desviavam os passes, desestabilizavam tudo o que ensinara aos jogadores. O acaso deve nascer do jogo, não de acidentes evitáveis do gramado, era a sua fé.
Como todo deus detalhista, Telê era ranzinza, ranheta e turrão. Em 1992, quando o São Paulo se preparava para disputar o primeiro dos dois títulos mundiais que Telê conquistaria, vi durante semanas duas cenas que ilustram o método do técnico: ele ensinou Cafu a fazer cruzamentos precisos na área e transformou Raí num batedor de faltas.
Nessa época, Cafu tinha um preparo físico de fazer inveja a maratonista, mas seus piques de lateral sempre tinham um resultado desastroso porque não sabia jogar a bola na pequena área de forma a ameaçar o gol adversário.
Após os treinos, Telê chamava Cafu, e o lateral ficava repetindo até o desespero os lançamentos. Telê se exasperava com os erros, franzia o senho, praguejava e pedia a bola. Aí, para vergonha de Cafu, aquele senhor de 60 anos mostrava como fazer um cruzamento com a bola correndo. Quem viu as últimas três Copas, sabe que o método funcionou.
Com Raí, a implicância de Telê era com a falta de pontaria. Como um craque daqueles não sabia bater faltas com precisão? Por que ele não conseguia pôr a bola onde desejava?
Foi Telê quem exterminou o cobrador errático de faltas que era Raí. O método foi idêntico ao aplicado a Cafu: a repetição até a exaustão.
Quando Raí ficava nervoso, por não conseguir colocar a bola onde o técnico ordenava, Telê pegava a bola e tratava o jogador como se fosse um menino iniciante: dava chutes certeiros em alvos previamente anunciados. Fazia isso sem qualquer exibicionismo. Sua intenção era simples: queria demonstrar que a matéria ensinada ali não tinha nada de inatingível.
Só um obsessivo como Telê conseguiria transformar o cangaceiro Júnior Baiano em cavalheiro da zaga, irreconhecível na elegância adquirida.


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