São Paulo, terça-feira, 22 de maio de 2007

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SONINHA
Seleção "brasileira"

Um jogador, mesmo nascido aqui, que constrói carreira fora do país pode ser um dos melhores do futebol brasileiro?

ESTÁ CADA vez mais difícil saber o que é e para que serve uma seleção nacional. Ela deve reunir os melhores (e o técnico que faça dar "liga") ou deve ser o melhor conjunto possível, mesmo que deixe algum medalhão de fora? É impossível fazer as estrelas se empenharem tanto quanto um jogador menos talentoso? Os craques já não dão o mesmo valor à "amarelinha" agora que a meca é um time de ponta da Europa? O objetivo da seleção é ganhar todos os títulos, ou alguns torneios servem apenas como preparação para a Copa? Os amistosos são uma boa chance para testes ou a melhor ocasião para entrosar o time "principal"? Esses problemas já são "velhos".
Uma dúvida nova me ocorre com a última convocação do Dunga, e tem a ver mais com o conceito de "nacional" do que o de "seleção".
De uns tempos para cá, tem sido comum um jogador se naturalizar e defender a seleção de outro país. Na última Copa, havia brasileiros vestindo camisas de todas as cores. Isso sempre me pareceu apelação sem cabimento. Times podem ser mistos, verdadeiras seleções transnacionais. "A" seleção, não. Cada um que reúna o melhor do seu país (resolvidos os dilemas acima...) e não pesque em águas territoriais alheias.
O Brasil tem o melhor futebol do mundo. Quem quiser nos fazer frente que invista na sua própria horta. Aí veio a convocação do Afonso, de quem a maioria de nós apenas ouviu falar (ou nem isso). Para saber quem é, é preciso assistir TV a cabo, dar uma busca no Google ou esperar os jornais do dia seguinte. Afonso deixou o Atlético-MG aos 21 anos, sem causar muita comoção. Desde 2002 joga na Europa; na Suécia, chegou a ser cogitado para a seleção... sueca.
Agora, seu desempenho no Heerenveen o credenciou a uma vaga na seleção brasileira. Mas o quanto Afonso deve sua convocação ao Brasil, ao futebol brasileiro? Ele nasceu aqui, pegou gosto por futebol aqui, fala português, cresceu admirando jogadores brasileiros.
Mas está sendo convocado pelo que joga na Holanda! Caso seja mesmo um grande jogador, como é possível, pode ser considerado um dos maiores expoentes do futebol brasileiro?
O que vale é o lugar onde a pessoa nasceu ou onde construiu sua vida?
Quando um imigrante é feliz na nova terra, ele naturalmente adota a nova nacionalidade, independentemente de papéis e carimbos. Meus avós portugueses não negavam a origem (como poderiam?), mas se consideravam superbrasileiros. Um brasileiro que faz a vida lá fora continua brasileiro, mas a sua carreira é "brasileira"? A convocação deve ser pelo critério berço ou carreira?
Afonso não saiu daqui muito cedo. E quem vai embora aos 15 anos? Poderá ser convocado para defender o Brasil, sem nunca ter vivido o futebol profissional brasileiro? Não quero parecer xenófoba contra nossos próprios conterrâneos. Aliás, quando dizem "tem de convocar só quem joga aqui!", sou radicalmente contra. Mas essa situação, em que somos apresentados a alguns brasileiros já na seleção, me fez mudar de idéia a respeito de selecionados mistos. Nesse mundão sem fronteira, talvez o lugar de atuação conte mais do que de origem. Afonso surpreenderia menos se estivesse na seleção sueca ou holandesa.


soninha.folha@uol.com.br

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