São Paulo, domingo, 22 de maio de 2011 |
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Presente e passado Esgrimista brasileira, nascida na ex-URSS, convive com sequelas de Tchernobil e busca Londres-2012 MARCEL MERGUIZO DE SÃO PAULO Atleta e técnico conversam em russo sobre a preparação para representar o Brasil na etapa da Copa do Mundo de esgrima em Tianjin, na China, neste fim de semana, a primeira a valer pontos rumo à Olimpíada de Londres-12. A conversa na língua nativa de ambos é apenas uma forma de filha e pai manterem ligação com o passado em Mogilev, em Belarus. As outras lembranças já estão marcadas na mente e no corpo de Karina Lakerbai, 22. Ela nasceu com baixa imunidade -o sangue tinha nível reduzido de leucócitos-, problemas respiratórios e osteocondroma -tumor ósseo, benigno, manifestado por protuberâncias. "Tenho ossinhos a mais. Raspa, dá uma dor tremenda, fica pinçando", descreve. Filha de Alkhas e Valéria Lakerbai -um ex-esgrimista e uma ex-ginasta da seleção soviética, atualmente técnicos com 49 anos-, Karina é líder do ranking brasileiro e 57ª do mundial com o sabre (uma das arma da esgrima, além de espada e florete). Dois anos antes do parto, a cerca de 300 km da cidade bielorrussa onde Karina nascera, houve o acidente nuclear na usina de Tchernobil, na vizinha Ucrânia, que também afetou a região onde os Lakerbai moravam. "Me toca só de imaginar... Na época em que nasci, eram muitas crianças com deficiências físicas imensas. Imagino o extermínio que rolou. Faz parte de mim ainda." O nível de radiação em Mogilev fez com que médicos aconselhassem pela procura por "um lugar mais puro". "Vimos que tinha algo na costela [de Karina] e achamos que era raquitismo. Falaram que era osteocondroma, que é genético, mas ninguém na família tem isso. Não é possível comprovar. E naquele regime, com ditadura lá, não contavam nada [sobre radiação, doenças] para as pessoas", recorda a mãe. Quando a garota tinha seis anos, a família se mudou para São Paulo. Aos 14 e 15 anos, Karina passou por cirurgias para retirada [ressecção] desses pedaços de ossos do ombro, do quadríceps e abaixo da patela. Na segunda, teve choque anafilático. MUDANÇA PARA O BRASIL Dois anos depois do nascimento da filha, Alkhas e Valéria se mudaram para a Geórgia. Mas com a guerra na região, retornaram a Belarus. Então, surgiu o convite para a mãe trabalhar na academia de ginástica Yashi, em São Paulo. E ela passou seis meses sozinha no Brasil. Alkhas veio depois com a filha e virou técnico da seleção brasileira. Valéria viu suas ginastas chegarem a Mundiais. As lembranças de Belarus, deixaram para trás. "Era cruel lá. Ganhava só para comer", fala Valéria. O mais perto que Karina chegou de sua cidade natal foi Moscou, na Rússia, em 2007 e 2008. Treinou seis meses lá e ouviu de um técnico: "O que está fazendo no Brasil?". A fala dos pais explica o drama e o porquê da mudança naquela época. "Tínhamos medo de ter a Karina. Na nossa cidade era permitido aborto até em gravidez mais avançada", conta o pai. "O cemitério da cidade cresceu 20 vezes em cinco anos", calcula a mãe. AMBIDESTRA? Destra, Karina ganhou um campeonato sul-americano jogando com a esquerda. Campeã com a direita um ano antes, ela competiu em 2009 como canhota devido a uma luxação no ombro direito. No fim do ano foi submetida a uma artroscopia para suturar o ligamento. Segundo o ortopedista Alberto Naoki Miyazaki, chefe do grupo de ombro e cotovelo da Santa Casa de São Paulo, a lesão não tem ligação com o osteocondroma. Foi um trauma devido à prática esportiva e está curado. Karina fez um ano de fisioterapia. O ombro esquerdo tem o mesmo problema do direito, mas não a incomoda com a mesma intensidade ainda. "Todo mundo tira sarro. É radioativa, é ambidestra. Mas nem eu sei o que sou", diz, rindo das lembranças. Texto Anterior: Juca Kfouri: Lista boa. E o time? Próximo Texto: Vice mundial encara náuseas por retorno Índice | Comunicar Erros |
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