São Paulo, sexta-feira, 22 de julho de 2011

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

ANÁLISE

O código que condena e salva, a velocidade do astro e o pódio

LUÍS CURRO
EDITOR-ADJUNTO DE ESPORTE

Cesar Cielo escapou de suspensão. Para o homem mais veloz da história da natação, uma vitória. Ele estará na piscina do Centro de Esportes Aquáticos de Xangai, na China, fortalecido mentalmente em seu intuito de renovar seus títulos mundiais.
Para o mundo dos combatentes ao doping, um revés. Ao menos para o código da Agência Mundial Antidoping, que deveria ser repensado em alguns trechos, caso ele tenha sido levado em consideração no julgamento da Corte de Arbitragem do Esporte -espera-se que tenha.
Está lá, no artigo 2º, que é "dever pessoal do praticante esportivo assegurar que não introduz no seu organismo nenhuma substância proibida. (...) Não é necessário fazer prova da intenção, culpa, negligência ou uso consciente por parte do praticante esportivo de forma a determinar a existência de violação das normas antidopagem".
Logo adiante, o reforço: "Há uma violação [das normas antidopagem] desde que o praticante esportivo tenha, de forma intencional ou não, utilizado uma substância proibida independentemente de esse fato ter ocorrido por negligência ou por qualquer outro tipo de falha".
Cielo, ao consumir suplemento de cafeína, assumiu o risco de algo dar errado. Deu.
Foi propalada a versão de contaminação com um diurético, que é proibido por mascarar substâncias dopantes. Só que a contaminação foi posta em dúvida pela farmácia de manipulação, que negou erro de procedimento -conclui-se que a corte do esporte, se tinha essa informação, descartou-a.
O campeão diz que não foi negligente e se defendeu dentro de seu direito. Consta do código, no artigo 10º: "(...) o praticante esportivo ou outra pessoa terão o direito (...), antes de ser aplicada qualquer suspensão (...), a apresentar os seus argumentos de forma a tentar eliminar ou reduzir a sanção a aplicar".
E o texto enumera as "circunstâncias excepcionais" que podem ser apresentadas.
(Ou seja, o código fala em responsabilidade do atleta sobre o que ingere, independentemente de culpa ou negligência -o que na teoria já o condena-, mas abre brecha para que se exima da responsabilidade. Discutível.)
No caso Cielo, a "circunstância excepcional" pode ter sido o próprio Cielo. "Eu sou a velocidade", argumentaria ele, parodiando o Relâmpago McQueen, da animação "Carros". Para o show continuar, isso basta, não?
Só que casos que envolvem doping, veredictos à parte, costumam ser cruéis, demoram a ser esquecidos, e o Mundial é já. A aguardar o pódio. Caso Cielo ganhe, a lógica indica que o medalhista de prata olhe para o degrau mais alto e conclua: "Esse cara deveria estar suspenso. Eu sou quem deveria estar ali".


Texto Anterior: Farmácia declara que não foi consultada
Próximo Texto: Contusões viram teste para elenco
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.