São Paulo, sexta-feira, 22 de agosto de 2008

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FUTEBOL

Festa na casa de Marta vira crise de hipertensão

Animação acaba em preocupação com a saúde da mãe da camisa 10

Dois Riachos, onde atleta nasceu, vai da euforia à depressão em 120 minutos, e promessa de Dona Teresa a Padre Cícero acaba adiada


SÉRGIO RANGEL
ENVIADO ESPECIAL A DOIS RIACHOS (AL)

A festa na casa de Marta já tinha começado havia horas. Um quarteto de forró e um repentista animavam os convidados e os penetras. Primos da jogadora assavam 60 kg de carne de porco e de carneiro e distribuíam cervejas e refrigerantes.
Mãe da jogadora, Teresa Vieira, 60, contava a todos que iria pagar promessa para Padre Cícero logo após a final olímpica. Sob o sol do sertão, ela iria percorrer a pé os 5 km que separavam sua casa da capela mais famosa de Dois Riachos (a 152 km de Maceió).
As câmeras da TV Globo, que transmitiam flashes ao vivo para o país, empolgavam ainda mais os festeiros torcedores.
A euforia na cidade acabou com o gol de Lloyd no início da prorrogação. Dona Teresa, que assistiu ao jogo chorando, foi a primeira a deixar o amplo salão da nova casa da meia-atacante, a melhor do mundo e que veste a camisa 10 da seleção. Ela sofreu uma crise de hipertensão e teve que sair carregada do local.
Dona Teresa não tinha ainda visto nenhum jogo da seleção na Olimpíada. Ela ficava no quarto rezando e só entrava na sala quando os filhos estavam comemorando os gols do time. Desta vez, a aposentada viu a partida a pedido dos produtores da TV Gazeta, afiliada da Globo em Alagoas.
""Ela quis agradar e acabou passando mal. O importante é que a mãe já está melhor", disse Ângela Vieira, 33, com um terço enrolado nas mãos duas horas depois da final olímpica.
Cinco minutos depois de Dona Teresa deixar a sala, os músicos foram embora. Já os cerca de 50 vizinhos e os penetras aguardavam calados o fim do jogo. Queriam aparecer na TV.
""Estou aqui só para passar na Globo. Moro em Juazeiro e ganho a vida fotografando os moradores pelas cidades do interior. Quando passei aqui na porta e vi o carrão da TV, entrei. E estou adorando", disse o fotógrafo Patrício Cícero, 29.
Silenciosos, os torcedores continuaram no salão após a derrota. Eles só deixaram a casa depois que a produtora da TV informou que as entradas ao vivo para os telejornais da emissora tinham sido canceladas com a derrota da seleção.
""Mesmo assim, valeu. Acho que deu para a minha mulher ver o meu boné", acrescentou Cícero, logo depois de cumprimentar José Vieira, 32, um dos irmãos de Marta.
Com a mãe descansando no quarto, José ficou no portão da casa recebendo os cumprimentos de solidariedade dos torcedores. Parecia cena de velório. Eles não falavam nada com o irmão da craque do Brasil. Apenas apertavam a mão de José e voltavam para suas casas.
""É triste, mas não posso fazer nada. O importante é que a Marta vale ouro para todos", disse José. Ele é famoso em Dois Riachos pelas brigas que tinha com Marta na infância. Assim como quase todos os moradores, ele não gostava que a menina jogasse futebol com os garotos na pequena cidade.
""Naquela época, nenhuma mulher fazia aquilo. Além disso, tínhamos que ficar ouvindo as gracinhas dos vizinhos. Aqui no sertão, ninguém nunca ia pensar que ela chegaria a ser conhecida no mundo todo por causa do futebol. O importante é que ela venceu o preconceito", conta José, que nunca jogou futebol na vida.
Em Dois Riachos, Marta era chamada na infância de ""macho e fêmea". ""Minha mãe era a única que não atrapalhava muito. Ela discutia com as pessoas que chamavam a Marta pelo apelido", contou Ângela.


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