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ARTIGO
A ascensão da China vai além dos ouros
O país vai deixar rastros igualmente espantosos
nas artes, nos negócios,
nas ciências e na educação
NICHOLAS D. KRISTOF
DO "NEW YORK TIMES", EM PEQUIM
A China está a caminho de
tomar o lugar dos EUA como
país vencedor do maior número de medalhas de ouro nesta
Olimpíada. É bom nos acostumarmos com isso.
Hoje é a grande ascensão nos
esportes que nos deixa estarrecidos, mas a China vai deixar
rastros igualmente espantosos
nas artes, nos negócios, nas
ciências e na educação.
O mundo com o qual estamos
familiarizados, dominado por
EUA e Europa, é uma anomalia
histórica. Até o início do século
15, as maiores economias do
mundo eram a China e a Índia,
e as pessoas que traçavam previsões na época podem ter presumido que esses países seriam
os que iriam colonizar as Américas -o que significaria que este jornal seria impresso em chinês e possivelmente em hindi.
Mas, então, China e Índia começaram a se fragmentar, ao
mesmo tempo em que se iniciava a ascensão da Europa. Levada em conta a inflação, a renda
per capita chinesa era mais baixa na década de 1950 do que tinha sido no final da dinastia
Song, nos anos 1270.
Hoje o mundo está voltando
ao seu estado normal -uma
Ásia poderosa-, e nós teremos
que nos adaptar, simplesmente. Assim como muitos americanos conhecem seus vinhos
tintos e facilmente distinguem
um Manet de um Monet, nossos filhos se tornarão conhecedores do chá pu-er e conhecerão a diferença entre "guanxi" e
Guangxi, entre Qin e Qing.
Quando estiveram irritados,
talvez xinguem uns aos outros
de "ovos de tartaruga".
Durante a ascensão do Ocidente, a cultura chinesa teve
que se adaptar constantemente. Quando os primeiros ocidentais chegaram à China, levando consigo a fé na Virgem
Maria, a China não possuía
uma figura feminina equivalente para operar milagres
-então Guan Yin, o deus da
compaixão, passou por uma
transformação sexual e tornou-se a deusa da compaixão.
Agora será nossa vez de nos
esforçarmos para competir
com uma Ásia em ascensão.
Essa transição para uma hegemonia chinesa será um processo difícil para toda a comunidade internacional, mais ainda em função do espinhoso nacionalismo chinês.
A China ainda vê o mundo
através do prisma da "guochi",
ou humilhação nacional, e, entre alguns chineses jovens, o
sucesso às vezes parece gerar
não tanto autoconfiança nacional quanto arrogância.
As agências de inteligência
chinesas estão ficando mais
agressivas quando miram a
América, incluindo seus segredos corporativos. E as Forças
Armadas chinesas estão financiando novos esforços para minar a preeminência militar dos
EUA, esforços esses que incluem armas espaciais, ciberguerra e tecnologias para
ameaçar os grupos de porta-aviões americanos.
O presidente Bush foi intensamente criticado por comparecer à Olimpíada de Pequim,
mas, olhando em retrospectiva,
acho que ele teve razão em fazê-lo. A mais importante relação bilateral do mundo nos
próximos anos será entre China e EUA, e Bush conquistou
enorme boa vontade da população chinesa por comparecer.
Tendo conquistado esse capital político, porém, Bush não
o usou. Ele deveria ter feito
uma defesa mais contundente
dos direitos humanos, inclusive exortando Pequim a parar de
vender as armas usadas para o
genocídio em Darfur.
É um equilíbrio difícil de
acertar, mas a determinação da
China em liderar na contagem
de medalhas de ouro -e seus
esforços avassaladores para encontrar e treinar os melhores
atletas- revelam um desejo
maior por respeito e legitimidade internacionais. Podemos
usar esse desejo também para
envergonhar os líderes chineses e induzi-los a comportamentos melhores.
Quando o governo chinês
condena duas mulheres frágeis
de mais de 70 anos a trabalhos
forçados porque solicitaram
autorização para fazer um protesto legal durante a Olimpíada, como ele acaba de fazer, isso
é um ultraje ao qual é preciso
reagir não com "diplomacia silenciosa", mas chamando a
atenção para o fato.
Devemos também reconhecer que pressões informais estão ganhando importância
crescente. A figura mais importante nas relações China-EUA,
hoje, não é o embaixador de um
ou do outro país; é o jogador de
basquete Yao Ming -e David
Stern, o comissário da NBA, é a
segunda. A maior força em favor da democratização não é o
G7 (grupo de países mais industrializados): são os milhões
de chineses que estudam no
Ocidente e retornam a seu país,
às vezes munidos de "green
cards" ou passaportes azuis,
mas sempre carregando expectativas maiores de liberdade.
A ascensão da China é apoiada em parte pela maneira como
o Partido Comunista vem se
adaptando -a contragosto, e às
vezes de maneira incompetente- a essas pressões em favor
das mudanças.
Nesta minha visita ao país,
passei pela casa de Bao Tong,
ex-funcionário do Partido Comunista que passou sete anos
na prisão por ter desafiado os
representantes da linha dura
durante o movimento pró-democracia de Tienanmen. Os
guardas que o vigiam 24 horas
por dia, sete dias por semana,
me deixaram passar quando
mostrei minha credencial de
imprensa da Olimpíada.
Bao observou que, antigamente, os líderes comunistas
realmente acreditavam no comunismo; hoje eles acreditam
simplesmente no governo do
Partido Comunista. Ele recordou que os líderes da linha dura
se preocupavam com o perigo
da "evolução pacífica", ou seja,
uma mudança gradual para um
sistema político e econômico
de estilo ocidental. "Hoje, o que
temos de fato é a evolução pacífica", ele apontou.
Essa flexibilidade é uma das
grandes forças da China. E é
uma razão pela qual a coisa
mais importante que está acontecendo no mundo hoje é a ascensão da China -na Olimpíada e em quase todas as outras
facetas da vida.
Tradução de Clara Allain
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