São Paulo, sábado, 22 de setembro de 2007

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JOSÉ GERALDO COUTO

Elogio do jogo de botão


No futebol de mesa o jogador brinca de Deus criando um mundo em que é autor, ator e platéia ao mesmo tempo
QUEM JÁ jogou futebol de botão sozinho levanta a mão. Puxa, quantos. Você entenderá então o que eu vou dizer: a criança que joga botão sozinha brinca de ser Deus.
Pode ser no chão de um quarto bagunçado, por exemplo. As bandeirinhas de escanteio são palitos de fósforo enfiados nas emendas dos tacos do assoalho. As linhas do campo são traçadas a giz. Os jogadores das duas equipes, velhas tampas de relógio obtidas com o relojoeiro do bairro. Os goleiros, caixas de fósforo cheias de areia, pedrinhas ou pilhas gastas. A bola pode ser uma pelota de miolo de pão ou um botão de camisa.
Claro que os jogadores "profissionais" do chamado futebol de mesa vão torcer o nariz diante da precariedade desses improvisos. Mas o importante aqui é a fantasia que transforma esses objetos triviais num mundo pleno de vida e emoção.
De repente os palmos de assoalho são o Maracanã lotado por uma torcida apaixonada e estrepitosa. Em campo, os maiores craques do mundo, imbuídos de inabalável espírito épico. Nesse espaço acontecerão grandes coisas, todas criadas pela imaginação do pequeno demiurgo.
Ali o menino é não só o senhor da encenação, mas encarna em si o próprio espetáculo, já que é ao mesmo tempo autor, ator e platéia. É o craque que faz gols de placa, o juiz que apita a falta, o técnico que traça estratégias, o goleiro que defende, o torcedor que vibra. Deus panteísta, que respira em todas as coisas.
(Haverá quem prefira a alta tecnologia dos novos videogames de futebol, com sua reprodução fiel dos movimentos dos craques, sua impressão perfeita de tridimensionalidade. Mas o fato é que deixam pouco espaço para a invenção de quem joga.)
Claro que o caráter divino do pequeno jogador de botão é momentâneo e ilusório, como sugere, falando do jogo de xadrez, esta estrofe de Jorge Luis Borges: "Dios mueve al jugador y éste, la pieza./ Qué dios detrás de Dios la trama empieza/ De polvo y tiempo y sueño y agonias?". Em tradução canhestra: "Deus move o jogador e este, a peça./ Que deus por trás de Deus a trama começa/ De pó e tempo e sonho e agonias?".
Agora quem souber a resposta ganha um troféu.

Dérbi
Amanhã tem Palmeiras x Corinthians, o grande dérbi paulistano.
Uma das muitíssimas coisas que aprendi no livro "A Dança dos Deuses - Futebol, Sociedade, Cultura", de Hilário Franco Júnior, é que a palavra "dérbi", que hoje serve para designar o confronto entre times rivais de uma mesma cidade, teve origem na pré-história do futebol moderno, por conta da partida realizada no Carnaval entre duas paróquias da cidade inglesa de Derby.
O curioso é que as rivalidades mais encarniçadas geralmente se dão entre clubes próximos, não raro que tiveram a mesma origem, como nos casos de Flamengo e Fluminense, Corinthians e Palmeiras.
O futebol do Fla, como se sabe, surgiu de uma dissidência do Flu, o que levou Nelson Rodrigues a dizer que os dois clubes são "os irmãos Karamazov" do futebol brasileiro.
Caso análogo ocorreu em São Paulo com o Palestra Itália e o Corinthians, que amanhã fazem mais um dérbi sem favoritos.

jgcouto@uol.com.br


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