São Paulo, sábado, 22 de novembro de 2008

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JOSÉ GERALDO COUTO

A era das incertezas


Dunga sobrevive a ondas de euforia e depressão que parecem imitar as oscilações das Bolsas

ALGUÉM JÁ disse que a relação do brasileiro com o futebol é ciclotímica ou, para usar o termo mais em voga, bipolar: ora "com brasileiro não há quem possa", ora "a gente somos inútil".
A novidade, hoje, é que esses ciclos ficaram mais curtos. Antes, eram de longa duração. Atingimos o fundo do poço em 1950, superamos o "complexo de vira-lata" em 1958 e iniciamos uma fase de autoconfiança que atingiu seu ápice em 1970, apesar da recaída depressiva de 1966. Seguiram-se trevas duradouras, somente rompidas, mal e mal, em 1994.
Pois bem, na seleção de Dunga essas ondas se tornaram curtas e nervosas como um eletrocardiograma ou um gráfico de perdas e ganhos da Bolsa de Valores. Aliás os ciclos de prosperidade e depressão da economia mundial também parecem ter-se amiudado. O mundo sofre de psicose maníaco-depressiva.
Mas voltemos à seleção. No ano que está terminando, o Brasil foi quase regular em sua irregularidade, alternando um jogo bom e um ruim, ou antes, um ótimo e um péssimo.
Como a última impressão é a que fica, e o próximo jogo só será em março, o que permanecerá mais tempo na retina fatigada do torcedor será a goleada acachapante (uma piscada de olho a Xico Sá) sobre Portugal. Voltamos a ser os melhores, os reis do mundo etc. Pouco importa se era apenas um amistoso.
O fato é que, para a cobertura jornalística esportiva (incluindo o noticiário e a chamada "crônica"), essa ciclotimia da seleção impõe situação incômoda. Em vários momentos Dunga foi mostrado à beira da degola, ou mesmo dado como morto. Em seguida, renascia fortalecido.
O comentarista fica entre a cruz e a caldeirinha. Se elogia as vitórias e as boas apresentações do time, é como se estivesse engolindo o treinador indigesto. Se tenta mostrar que não há motivo para euforia e aponta fraquezas persistentes mesmo nos triunfos, sai na foto como ranzinza e desmancha-prazeres.
Numa situação assim, penso que o melhor, para a cobertura noticiosa, é ater-se aos fatos (o que inclui, obviamente, as movimentações de bastidores) e tentar não contaminar o relato jornalístico com os desejos do jornalista.
Já do ponto de vista do comentarista, a postura deve ser praticamente a oposta. Devemos deixar claros nossos gostos, opiniões e idiossincrasias. O texto que aparece aqui não foi produzido no Olimpo, por seres etéreos. Esta fala tem um corpo, este corpo ocupa um lugar no espaço. Pois bem, faço a minha parte. Não gosto de Dunga como técnico. Acho que existem pelo menos dez técnicos brasileiros mais preparados e mais indicados para o cargo. Isso não significa que eu vá torcer contra ou fazer campanha para derrubá-lo.
Vou, isso sim, criticar suas escolhas e atitudes quando as considerar erradas. Vou errar também. Um jogador com quem tenho uma certa má vontade, Elano, fez ótima partida e um golaço contra Portugal. Maicon é outro de quem não gosto e que jogou bem.
Cronista esportivo também tem seu tanto de ciclotimia. Num dia é craque, no outro perna-de-pau. Que as vaias me sejam leves.

jgcouto@uol.com.br



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