São Paulo, terça-feira, 23 de janeiro de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

FUTEBOL

Um outro 1958



JOSÉ ROBERTO TORERO
COLUNISTA DA FOLHA

O ano de 1958 tinha tudo para ser um ano perfeito para o Brasil.
João Gilberto gravou ""Chega de Saudade", Juscelino, o presidente bossa nova, construía Brasília no meio do nada, Guarnieri estreava ""Eles Não Usam Black-Tie", e o país formava um bom time para disputar a Copa do Mundo da Suécia.
Aliás, bem mais que um bom time. Lá estavam Didi, Nílton Santos, Gilmar e outros craques experientes, além de uns jovens muito promissores.
De fato, a seleção não fez feio. Depois de um começo inseguro, acertou-se com as entradas de Djalma Santos, Garrincha e Pelé e foi crescendo na competição. Houve um empate frustrante contra a Inglaterra, mas Áustria, União Soviética e País de Gales foram todos vitimados pelo ataque arrasador cujo entrosamento crescia de jogo a jogo.
Na partida semifinal contra a seleção da França, Pelé somente não fez chover.
Chegou então o dia da decisão, que seria contra os donos da casa.
Como os suecos também usavam uniforme amarelo e azul, o Brasil teve que improvisar e entrou no estádio vestindo camisas roxas e shorts lilases. Foi o melhor que se pôde encontrar.
O problema é que a nova roupa deixou os jogadores com a pulga atrás da orelha.
Eles acharam aquelas cores muito chamativas e não conseguiam se soltar em campo.
Para piorar, o time da Suécia não demorou muito para marcar o primeiro gol num chute da entrada da área.
Didi, o Príncipe Etíope, pegou a bola e caminhou calmamente até o meio de campo.
Queria passar aos companheiros uma mensagem de calma. Mas escolheu mal suas palavras e disse: ""Vamos honrar as cores deste uniforme!" Garrincha riu tanto que quase caiu no chão.
De qualquer forma, a equipe brasileira começou a buscar o empate.
Garrincha fez duas jogadas incríveis, igualzinhas: passou fácil pelo marcador, mas, em vez de cruzar para Vavá, que estava embaixo do gol, chutou sem direção.
Pelé chegou a dar um chapéu no adversário dentro da área, mas escorregou na hora de chutar e a bola foi para fora.
Zagallo perdeu um gol cara a cara com o goleiro, e Pelé errou uma cabeçada dentro da pequena área.
Diante de tanta displicência, poucos se admiraram quando a Suécia fez dois a zero.
Quando o juiz apitou o fim da partida, os loiros vikings deram a volta olímpica e aos brasileiros só restou a lamentação.
Mário Américo, o preparador físico, correu pelo campo e roubou a bola do juiz.
Depois, queimou-a.
Mas a foto que mais marcou o país foi aquela em que Pelé chora compulsivamente nos ombros de Gilmar.
Éramos novamente vice-campeões, como em 50.
Quando a seleção desembarcou no Rio, só seus parentes estavam lá para recebê-los.
O curioso é que o novo fracasso fez com que o Brasil perdesse o interesse pelo futebol.
Outros esportes começaram a ganhar importância, como o tênis e a natação.
Mas nenhum conseguiu ganhar do basquete. O esporte de Edvar, Oscar e Ubiratã foi várias vezes campeão mundial.
Hoje, em cada terreno baldio do país joga-se basquete e a seleção canarinho é famosa no mundo inteiro.
Nossos jogadores são convidados a jogar nos milionários clubes do exterior e recentemente o armador Sócrates, que atuou dez anos pelo Boston Celtics, foi considerado um dos maiores atletas do século.
Mas nem tudo são flores.
O basquete cresceu tanto que hoje o confuso campeonato nacional da modalidade é disputado por mais de cem clubes, que são divididos em quatro grupos nomeados com as cores da bandeira nacional.
Os dirigentes da modalidade misturam suas contas bancárias com as dos clubes e pairam sobre todos sérias suspeitas, principalmente no que se refere à compra e venda de jogadores para o exterior.
Vários deles estão sendo investigados pelo Senado e lutam para não terem o sigilo de suas contas quebradas, numa clara demonstração de culpa.
Para piorar, a CBF, Congregação de Basquete Federal, a mais poderosa entidade esportiva do país, está tendo seu contrato com a Nike investigado pela Câmara Federal.
No Brasil inteiro há um forte sentimento de indignação e muita gente já pensa, com alguma razão, que este não é mais o país do basquete.
E-mail torero@uol.com.br

Texto Anterior: Basquete - Melchiades Filho: O Paulista das bifocais
Próximo Texto: Futebol: Santos confirma Dodô até o final do primeiro semestre
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.