São Paulo, domingo, 23 de janeiro de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Caubóis do asfalto

João Wainer/Folha Imagem
Jogadores do Paulista descansam no ônibus e aguardam erro do motorista para terem sorte contra o Santo André

Paulista devolve times à estrada, revela opção generalizada por ônibus superequipados e eleva motorista a cargo de confiança

GUILHERME ROSEGUINI
ENVIADO ESPECIAL A JUNDIAÍ E ITU

De nada adiantam treinamentos, táticas, chutes e gols se "Pé de Pano" não fizer sua parte.
O destino do Paulista, time de Jundiaí, está intimamente ligado ao caminho que seu motorista vai escolher. Se optar por uma contramão, se der seta para o lado errado ou estacionar em cima da faixa de pedestres, o time celebra.
Tudo porque os jogadores acreditam que um erro de Antônio Carlos Felício -o apelido "Pé de Pano" veio depois de constatarem que ele não passa dos 80 km/h- é sinal de sorte para a partida.
Parece uma superstição banal, mas revela um fato que perpassa todas as 20 equipes da elite do futebol de São Paulo: motoristas, ônibus e viagens são considerados um setor estratégico, capaz de influenciar no resultado de um confronto.
Prova disso está no investimento e na preocupação que os dirigentes despendem nessa seara. Todos os times trafegam em veículos categoria luxo, recheados com opções de entretenimento -TV e vídeo, espaço reservado para jogos (como baralho e dominó) e frigobar.
Sete clubes têm ônibus próprios, cujo valor de mercado ultrapassa os R$ 300 mil. Os outros pagam fretes caros -até R$ 2.000 por jogo- para dar conforto aos atletas.
É o que podem fazer para atenuar uma abrupta mudança de ares. Ao menos para os times ditos grandes, o Estadual simboliza a volta do ônibus como principal meio de transporte, já que o longo Campeonato Brasileiro de 2004 foi percorrido basicamente de avião.
Para compreender o zelo pela perfeita satisfação dos jogadores nas viagens, a Folha ouviu todas as equipes e embarcou dentro do ônibus com duas delegações -Paulista e Ituano- durante a jornada inaugural do Estadual.
Neste final de semana, outros põem o pé na estrada. O Santos tenta a segunda vitória seguida em Campinas, contra a Ponte Preta.
O São Paulo joga em Rio Preto contra o América -até ontem, cogitava cumprir o trajeto de avião. Já o Corinthians andou 444 km para enfrentar o Marília fora de casa.
Aliás, partiu dos dirigentes do elenco mais caro da temporada a sofreguidão mais evidente pelo bem-estar dos boleiros.
O presidente Alberto Dualib pediu na última semana à MSI, empresa que coordena o futebol no clube, um "ônibus boeing" para acomodar seu time de estrelas.
O modelo do veículo pode até mudar, ganhar novas firulas, mas certamente continuará sob o comando do mesmo homem.
A tarefa de guiar o ônibus que carrega um time é sempre confiada ao mesmo motorista -geralmente a estada no cargo supera o contrato de treinadores ou o mandato de presidentes.
"Eles já conhecem as estradas, sabem lidar com os jogadores e estão prontos para resolver os problemas corriqueiros", conta José Mayo, presidente do Marília.
"Pé de Pano", por exemplo, é designado por sua empresa para guiar apenas o veículo alugado para transladar o Paulista.
Ocupa o cargo há seis anos. "Já trabalhei com vários técnicos. Perdi a conta. Quando o clube não joga, sou encaminhado para outras funções", explica ele.
O meio de transporte pode ter também um caráter disciplinador. Como as categorias inferiores transitam em carros desprovidos de tanta pompa, tirar um atleta do time principal significa fazê-lo percorrer longas distâncias em situação adversa.
Vanderlei Luxemburgo seguia essa toada em uma de suas passagens pelo Corinthians. Mandava os baderneiros para o time B, que viajava numa velharia cujo escapamento jogava fumaça dentro do ônibus, sufocando os atletas.
Ninguém suportava. Em poucos dias, voltavam à equipe principal prometendo bons modos.
Em tempo: "Pé de Pano", personagem que abre este texto, fez sua parte. Ao entrar em uma viela de Santo André na última terça, notou que havia saído da rota.
Quando parou no posto de gasolina para pedir informação, um membro da comissão técnica percebeu que se tratava de um equívoco e bradou: "O Pé de Pano errou!". Foi a deixa para uma algazarra que dominou o ônibus.
Dessa vez, contudo, o vaticínio não se cumpriu. O Paulista estreou com derrota -2 a 0 para os rivais do Santo André.


Texto Anterior: Painel FC
Próximo Texto: Futebol: Vasco reencontra Romário, e Maracanã, rodada dupla
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.