São Paulo, quinta-feira, 23 de março de 2006

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FUTEBOL

Além do troféu e do silicone

JOSÉ ROBERTO TORERO
COLUNISTA DA FOLHA

É fácil amar uma Gisele Bündchen. É moleza se apaixonar por uma Michelle Pfeiffer. Quem não arregalou os olhos para uma Raquel Welch, para uma Sophia Loren, para uma Brigitte Bardot, para uma Catherine Deneuve, para Uma Thurman? O difícil é amar Urracas e Emengardas. Gostar de mulheres belas e inteligentes, desejadas por todos, é um amor comum, simples, trivial. O difícil, o raro e belo é amar uma mulher feia, sem dote nem graças especiais. Aí, sim, há o amor verdadeiro, o amor cego e insano dos folhetins.
Com os clubes não é muito diferente. Amar Cruzeiro, Corinthians, Remo, Sport, Goiás, Internacional, Bahia e Flamengo é fácil (no caso de Bahia e Flamengo, talvez não seja tão fácil assim hoje em dia). São times grandes, com títulos aos montes, glórias às toneladas e histórias cheias de ouros e diamantes. O difícil, o valoroso, é amar uma Caldense, uma Portuguesa Santista, um Águia de Marabá, um Princesa do Solimões, um Sorriso, um Íbis, um Shallon, um Madureira. São times sem salas abarrotadas de troféus, sem grandes estrelas, talvez nem grandes esperanças.
Os que amam mulheres esculturais e grandes clubes não entendem como os namorados das feias e os torcedores dos pequenos podem gostar de seus objetos de amor. Eles só entendem paixões por lábios perfeitos, por craques eternos, por bundas redondas, por faixas de campeão, por seios antigravitacionais e por voltas olímpicas. Eles não entendem que se pode ficar apaixonado por um detalhe, por uma miudeza, por algo que nem se vê.
Por isso, os que amam modelos e campeões, quando encontram os que amam as feias e os perdedores, perguntam inconformados: "Como você pode gostar de uma coisa dessas?".
O curioso é que os fãs das desarmoniosas e dos derrotados não entendem a pergunta. Não está na cara o motivo de eles amarem aquele pequeníssimo clube e aquela gordíssima mulher? Mesmo assim, com infinita paciência, eles respondem:
"É o jeito que ela pisca."
"Sabe aquela camisa toda colorida? Foi amor à primeira vista."
"Você nunca reparou no dentinho torto dela? Coisa de louco."
"Já escutou o hino dele? Me arrepio só de lembrar."
"Era minha vizinha. Conheço desde que usava aparelho nos dentes."
"Era meu vizinho. Conheço desde que tinha arquibancadas de madeira."
Eu, confesso, só amei belas mulheres e grandes clubes [com uma honrosa exceção feita ao AZ 67, um time holandês que, por causa do nome e do símbolo -um moinho-, passou a ser meu time favorito na Holanda quando tinha uns 12 anos]. Mas sempre que vejo um homem apaixonado por uma mulher sem encantos ou por um time sem títulos, sei que ali vai um sujeito especial, uma alma nobre e superior que é capaz de dizer:
"Me apaixonei logo que ouvi seu nome: Marília... Tem coisa mais linda?".

Sade carioca
Os quatro grandes cariocas, que já dominaram o futebol brasileiro, hoje são motivo de piadas de humor negro. Ou melhor, rubro-negro. E há uma grande dose de sadismo nisso. Eu não tenho a menor pena de um Vasco que entronizou Eurico Miranda ou de um Flamengo que vem sendo dirigido com incompetência há anos. Acho merecido que eles estejam nesta pindaíba. E boa parte de sua torcida merece esta decadência, pois pouco ou nada fizeram para reverter a situação. No Brasileiro-2006, que terá só 20 clubes e quatro cairão, os cariocas já estão entre os favoritos à Série B. Fluminense e Botafogo, que já caíram, parece que aprenderam um pouco com a queda. Talvez seja bom para Vasco e Flamengo que eles experimentem o gosto da Segundona.


E-mail - torero@uol.com.br

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