São Paulo, domingo, 23 de abril de 2006

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FUTEBOL

Como colunista da Folha, treinador se aventurou em temas espinhosos

Telê, no papel, falou sobre suicídio, drogas e Ronaldo

DA REPORTAGEM LOCAL

Ninguém escapou. De amigos a desafetos, de esquadrões a times medianos, de grandes atletas a dirigentes corruptos, tudo era motivo de reflexão e análise para Telê Santana, morto anteontem. De 1994 a 98, o treinador manteve na Folha uma coluna que sempre extrapolou os limites das quatro linhas. A seguir, trechos delas.

 

CARTOLAS (30.jan.94) A verdade é que os dirigentes, como os políticos, têm medo que suas vidas sejam mostradas ao público, como se tudo tivesse sido conquistado ilegalmente. Há um ditado antigo e certo: "Quem não deve não teme". Se alguém um dia insinuar qualquer coisa de ilícito em relação a mim, estarei pronto a abrir minhas contas e tornarei público tudo o que ganhei no futebol sem nenhum receio.

OFENSIVIDADE (11.ago.96) Temos que aproveitar a qualidade de nossos jogadores de ataque, a criatividade deles, a capacidade de improvisação. Muitos acham que o esquema com três atacantes deixa a equipe muito exposta. Eu não concordo. Quando você tem dois bons jogadores de marcação no meio, dá para jogar perfeitamente com três atacantes.

SAÚDE (16.jun.96) Passei por uma depressão forte [ao ter que se afastar do São Paulo], e só quem já teve uma crise de depressão pode entender o que é isso. A depressão chega, você não sabe de onde, e tudo fica difícil, tudo fica ruim. Em qualquer lugar, você se sente mal, sente um vazio, uma angústia muito forte. Quero aproveitar este espaço para esclarecer que, apesar de todas as dificuldades pelas quais passei, não pensei em suicídio.

TIME DO CORAÇÃO (14.dez.97) Meu pai, o seu Zico, lá pelos idos de 1927, 1928, era goleiro do América-MG. Eu nem era nascido, nem vi meu pai atuando, mas a paixão dele pelo clube encheu toda nossa casa. Depois de crescido, passei a ir ao estádio e acompanhar o time. Era a segunda torcida de Minas Gerais. Na época, os seguidores do Cruzeiro eram poucos. Eles só ultrapassaram os do América-MG depois da série de campeonatos conquistados por Tostão, Dirceu e Piazza.

DROGAS (13.out.96) Não é difícil convencer um jogador de futebol, geralmente oriundo de classes populares, a entrar na onda das drogas. Um atleta de cabeça fraca, cercado de más companhias, que ganha logo dinheiro rápido, pode enveredar pelo lado errado. O jogador tem que abrir os olhos, cuidar de sua carreira como um bem mais do que precioso. Eu, sempre que comandei times de futebol, tinha como preocupação básica o futuro dos atletas. Um técnico muitas vezes assume o papel de pai.

O INIMIGO (15.set.96) Ele era meu único inimigo. Não que tivesse ódio dele, mas eu podia sentir a raiva que existia nele. E considerava difícil uma reaproximação entre nós, mas aconteceu e tirou um peso enorme de cima de mim. Quem mudou para que isso acontecesse? Posso assegurar que sou sempre o mesmo. Foi ele quem foi pensando melhor. A vida foi ensinando, e Renato Gaúcho aprendeu a deixar de lado seu espírito rebelde, intratável. Foi uma alegria quando, no último fim de semana, ele beijou a minha testa [em 96].

ARBITRAGEM (24.dez.95) Outro dia, estive conversando com João Havelange sobre os problemas da arbitragem. Ele me disse que, na Copa, o juiz que erra é mandado de volta para casa. Tem que ser assim em todo o lugar. Fiquei sabendo que a Federação Paulista de Futebol nomeou uma comissão de ex-juízes para coordenar a arbitragem. Eles só serão úteis se agirem sem coleguismo e não passarem a mão na cabeça dos juízes quando eles errarem.

O FENÔMENO (29.dez.96) Juízo, Ronaldinho [sobre Ronaldo, na época no Barcelona], que você tem um futuro brilhante pela frente. Não pode se descuidar, deixar os treinos de lado, pensar só nas coisas boas que a fama traz. Ser famoso tem também um lado perigoso, as falsas amizades, os aproveitadores... Se Ronaldinho tiver a cabeça no lugar, vai muito longe ainda. Ele deve tentar se comparar a Pelé não no futebol, mas no seu comportamento. Pelé, mesmo sabendo que era o melhor do mundo, nunca se mascarou. Foi um profissional exemplar, humilde e dedicado. Mas acho que Ronaldinho, além de habilidoso, é inteligente para administrar isso.

VIOLÊNCIA (23.nov.97) Quantos de nós não deixamos de levar nossos filhos, netos e mulheres aos campos de futebol? Quem não teme a violência? Quem não teme uma desgraça, como a que vimos naquele São Paulo e Palmeiras, no Pacaembu, em agosto de 1995, que até morte ocasionou? Só por amor ao futebol a gente continua lutando, tentando modificar essa triste realidade.

MARADONA (2.nov.97) Foi triste a despedida de Maradona. Ele bem que poderia ter terminado a carreira de outra forma. Poucos foram grandes como ele. Da forma como aconteceu, com tantas confusões, essa despedida não foi boa nem para o próprio Maradona nem para o esporte. Gosto do futebol bem jogado, como Maradona fazia. Ele e Pelé foram excepcionais jogadores, mas Pelé soube a hora de parar.

CPI (24.ago.97) A CPI do futebol é de grande interesse para todos aqueles que fazem desse esporte a sua vida. Mas já estão falando que ela só vai acontecer depois da Copa da França. Penso que ela deveria ser realizada antes do Mundial para que nós tivéssemos conhecimento dos bons e dos maus dirigentes. É uma vergonha para o Brasil o adiamento dessa CPI.

VIDA DE TREINADOR (29.set.96) O Brasileiro continua sendo um torneio "derruba-treinadores". Só na última semana, três técnicos foram demitidos. O técnico precisa de um certo tempo para conhecer os jogadores e também ser conhecido por eles. O período de um ano é o mínimo para se desenvolver um bom trabalho. Por isso, sou totalmente a favor do Zagallo, quando ele reivindica uma lei para proteger os treinadores.

A ÚLTIMA COLUNA (3.ago.98) Há algumas dúvidas se Luxemburgo deveria ou não convocar para a seleção agora, quando não há competições importantes e se busca uma renovação na equipe, apenas os jogadores que atuam no futebol brasileiro. Eu acho que, até para o bem do Luxemburgo, ele deve convocar os melhores, independentemente de onde estejam atuando. Se a seleção for derrotada, mesmo que em amistosos, as pessoas vão cobrar do Luxemburgo. E isso não é bom.


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