São Paulo, quarta-feira, 23 de junho de 2010

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JOHN CARLIN

Copa-2014 na França!


Há, de fato, unidade na África do Sul. A questão é se existe unidade na França


JORNALISTAS DE Pequim, Londres, Montevidéu, Los Angeles, Washington, São Paulo, Madri e Berlim vêm me fazendo a mesma pergunta nos últimos três meses: se a Copa do Mundo de futebol de 2010 exerceria sobre a África do Sul o mesmo efeito unificador que teve a Copa do Mundo de rúgbi de 1995.
Ela reconciliaria negros e brancos?
Com impaciência e cansaço crescentes, minha resposta têm sido sempre a mesma: não. A África do Sul mudou muito em 15 anos, e a questão racial perdeu seu peso político. Hoje há questões muito mais prementes na lista de prioridades nacionais.
Vendo África do Sul x França em um telão numa praça de Johannesburgo, com milhares de torcedores de todas as raças, religiões e idades, pude atestar que há, de fato, unidade na África do Sul. E muita. A questão é se existe unidade na França.
Não seria bom se a França pudesse sediar uma Copa do Mundo "unificadora" o mais breve possível? Não deveria a Fifa persuadir o Brasil, em um gesto de urgência caridosa, a ceder o torneio de 2014 aos franceses feridos? Muitas das análises feitas da "débâcle" vivida pela França giram em torno das divisões raciais na sociedade francesa. Verdade ou não, o fato é que muitos franceses se revoltaram contra sua seleção, expressando, antes do jogo de ontem, a esperança de que a África do Sul vencesse.
Compare-se isso com a cena que vivi ontem. Pouquíssimos dos milhares de torcedores que assistiam à partida no telão ou dos milhões de outros que a viam em todo o país tinham qualquer esperança séria de que a África do Sul pudesse vencer e chegar às oitavas de final. A causa estava perdida, mas a solidariedade era absoluta. Brancos, negros, mulatos, judeus, muçulmanos, cristãos, crianças e idosos se fundiram em um mar de alegria, de dança, música e barulho iluminados pelas cores extravagantes da bandeira nacional sul-africana.
Eles venceram a batalha, mas perderam a guerra. Contudo estão de cabeças erguidas. A França, que também foi eliminada, é um país rico, dotado de uma democracia antiga e de uma tradição cultural ímpar. Hoje, porém, os franceses olham para o país que é o anfitrião da primeira Copa africana e tudo o que conseguem sentir é admiração e inveja.


O britânico JOHN CARLIN é colunista do diário espanhol "El País" e autor de "Conquistando o Inimigo", livro que inspirou o filme "Invictus"

Tradução de CLARA ALLAIN


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