São Paulo, segunda-feira, 23 de julho de 2007

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JANIO DE FREITAS
COLUNISTA DA FOLHA

A obra da dor

Os atletas que alcançam nível internacional passaram por sacrifícios que somente cada um deles pode imaginar

SOB OS seus ares e formas exuberantemente saudáveis, os atletas levam no corpo uma companhia permanente, com freqüência guardada em segredo, que nós outros fazemos todo o possível para não ter conosco. Seu nome é vulgar, mínimo e sinistro: dor.
Tudo parece tão natural e fácil, nos movimentos atléticos, nos saltos que desenham com leveza no ar, que os nossos olhos não traduzem o quanto há de força e de esforço em tudo aquilo, em cada fração de músculo e de nervo, de vontade e imposição ali ativados.
Vida de atleta é convívio com a dor. Na maioria dos esportes, os atletas que alcançam o nível das disputas internacionais passaram, no caminho até aí, por sacrifícios que só cada um deles pode imaginar, e só no seu próprio caso.
Tanto faz se são ginastas, jogadores de vôlei ou basquete ou tênis de mesa, lutadores, nadadores ou saltadores ornamentais, ou todos os outros.
Treinamentos diários de seis, oito horas, senão dez, são o comum. Com diferentes tipos de exercício, para desenvolver determinadas áreas musculares, aprimorar a resistência, refinar a concentração, e repetir, repetir, repetir vezes infinitas o mesmo movimento, e depois o outro e o outro mais vezes infindáveis, cada qual em busca da sua perfeição.
Mas o corpo não foi feito para isso. O atleta de alto nível é o construtor de um novo aparelho humano, capaz de movimentos, velocidade, leveza, força, resistência e precisão que a natureza, só por obra sua, não foi capaz de dar ao ser humano.
Mas o corpo não é dócil. Resistirá sempre à imposição atlética. Sua primeira arma é certa recusa. Se submetido à insistência, recorre à segunda: a dor.
É raro encontrar um atleta que esteja sem dor alguma, não tenha ao menos um ponto do corpo em queixa dolorida.
E há ainda as alterações hormonais, provocadas pelo exercício, que atingem as mulheres com a freqüente (e, cá entre nós, tão dispensável) redução de seios. Além da suspensão de menstruações.
Curioso é que esse novo aparelho humano tão bem construído, o atleta de alta performance, não dura muito. A natureza reage e vence. E o atleta não tarda muitos anos a voltar à condição de ser humano como os demais - lerdo, frágil, limitado: simplesmente humano.


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