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JANIO DE FREITAS
COLUNISTA DA FOLHA
A obra da dor
Os atletas que alcançam nível internacional passaram por sacrifícios que somente cada um deles pode imaginar
SOB OS seus ares e formas exuberantemente saudáveis, os atletas levam no corpo uma
companhia permanente,
com freqüência guardada
em segredo, que nós outros
fazemos todo o possível para não ter conosco. Seu nome é vulgar, mínimo e sinistro: dor.
Tudo parece tão natural
e fácil, nos movimentos
atléticos, nos saltos que desenham com leveza no ar,
que os nossos olhos não
traduzem o quanto há de
força e de esforço em tudo
aquilo, em cada fração de
músculo e de nervo, de
vontade e imposição ali ativados.
Vida de atleta é convívio
com a dor. Na maioria dos
esportes, os atletas que alcançam o nível das disputas internacionais passaram, no caminho até aí, por
sacrifícios que só cada um
deles pode imaginar, e só
no seu próprio caso.
Tanto faz se são ginastas,
jogadores de vôlei ou basquete ou tênis de mesa, lutadores, nadadores ou saltadores ornamentais, ou
todos os outros.
Treinamentos diários de
seis, oito horas, senão dez,
são o comum. Com diferentes tipos de exercício,
para desenvolver determinadas áreas musculares,
aprimorar a resistência, refinar a concentração, e repetir, repetir, repetir vezes
infinitas o mesmo movimento, e depois o outro e o
outro mais vezes infindáveis, cada qual em busca da
sua perfeição.
Mas o corpo não foi feito
para isso. O atleta de alto
nível é o construtor de um
novo aparelho humano, capaz de movimentos, velocidade, leveza, força, resistência e precisão que a natureza, só por obra sua, não
foi capaz de dar ao ser humano.
Mas o corpo não é dócil.
Resistirá sempre à imposição atlética. Sua primeira
arma é certa recusa. Se submetido à insistência, recorre à segunda: a dor.
É raro encontrar um
atleta que esteja sem dor
alguma, não tenha ao menos um ponto do corpo em
queixa dolorida.
E há ainda as alterações
hormonais, provocadas pelo exercício, que atingem as
mulheres com a freqüente
(e, cá entre nós, tão dispensável) redução de seios.
Além da suspensão de
menstruações.
Curioso é que esse novo
aparelho humano tão bem
construído, o atleta de alta
performance, não dura
muito. A natureza reage e
vence. E o atleta não tarda
muitos anos a voltar à condição de ser humano como
os demais - lerdo, frágil, limitado: simplesmente humano.
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