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JOSÉ ROBERTO TORERO
Zé Cabala e o homem da salsicha
O Major da Cavalaria fala sobre seu começo no futebol, da origem de seu apelido e de sua carreira de artilheiro
LOGO QUE cheguei à casa de Zé
Cabala, fui direto ao assunto:
"Preciso de uma entrevista internacional!".
O mestre dos mestres coçou seu
turbante e disse: "Para isso preciso
de uma concentração especial".
Então foi até seu fogão, cozinhou
duas salsichas, colocou-as num pão
e, enquanto dava giros pela sala, ia
dando mordidas em seu cachorro-quente. Quando finalmente acabou
de comer, parou de girar e disse:
"Muito prazer, meu nome é Ferenc. Ferenc Puskas."
"Muito prazer, senhor Puskas. Vamos começar pelo começo..."
"Bem, estreei no Kispest de Budapeste em 1943, aos 16 anos. Eu usava
o menor uniforme do time, mas
mesmo assim ficava grande."
"O seu pai também foi jogador,
não é?"
"Foi. E ele também era chamado
de Puskas. Por isso o meu apelido ficou sendo Öcsi, que quer dizer Júnior. Mas papai não teve muito sucesso. Tanto que a gente morava numa quitinete. Mas tudo bem, porque
eu passava o dia todo jogando bola
num pátio ali perto. Às vezes nem
aparecia para almoçar. Então, quando eu chegava em casa, comia salsicha com pão. Sempre gostei muito
de salsicha."
"De onde veio o apelido Major da
Cavalaria?"
"O Kispest, em 1948, tornou-se
um time do Exército e passou a se
chamar Honved. E os jogadores ganharam patentes de Exército."
"Qual o pior momento de sua carreira?"
"A final da Copa de 1954, é claro.
Éramos os francos favoritos e começamos ganhando da Alemanha por 2
a 0. Mas perdemos de virada: 3 a 2. E
pensar que havia quatro anos ninguém ganhava da gente..."
"Como foi sua saída da Hungria?"
"Em 1956, quando eu estava fazendo uns jogos pela Europa, chegou a notícia de que a União Soviética tinha invadido a Hungria. Decidi
não voltar mais. E a Fifa me suspendeu por um ano e meio."
"E depois da suspensão o senhor
foi para o Real Madrid?"
"Isso. Mas foi um recomeço difícil.
Estava com uma úlcera no estômago, já tinha 30 anos e pesava 18 quilos acima do meu normal. Muita salsicha, sabe? Nas primeiras seis semanas, para perder gordura, treinava sozinho, correndo com meias
grossas, duas calças e cinco camisas.
Também só comia frutas e vegetais e
não tocava numa gota de álcool.
Mesmo assim, comecei jogando
mal. Mas com o tempo fui melhorando e acabei quatro vezes artilheiro do Campeonato Espanhol."
"Qual a sua melhor lembrança
desses tempos?"
"A final da copa européia de 1960.
Vencemos o Eintracht de Frankfurt
por 7 a 3, e eu marquei quatro gols."
"O senhor foi um grande artilheiro!"
"Foram 1.176 gols em 1.300 jogos.
Se não tivesse parado aqueles 18 meses, podia ter feito mais gols que o
Pelé."
"Em 62, o senhor se naturalizou e
jogou a Copa pela Espanha, não é?"
"É. Mas caímos logo. Poderíamos
ter ido melhor se não fôssemos roubados contra o Brasil. Não deram
aquele pênalti do Nilton Santos, em
que ele deu dois passos e ainda ficou
em cima da linha. Uma vergonha!"
"Quando o senhor se aposentou?"
"Em 1967. Aí entrei no negócio de
salsicha, mas me dei mal e decidi ser
técnico. Fui vice-campeão europeu
com o Panathinaikos, da Grécia."
"Quando voltou para a Hungria?"
"Tentei voltar em 1976, para o enterro de minha mãe, mas não deixaram. Mas em 1993 consegui me mudar para lá. Desde 2000 eu estava internado, com mal de Alzheimer,
num hospital em Budapeste. Daqui
a uns dias, em 9 de dezembro, serei
enterrado. É como diz o velho ditado: "Do pó viemos, ao pó voltaremos". Mas, entre uma coisa e outra,
eu me diverti um bocado."
torero@uol.com.br
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