São Paulo, quinta-feira, 23 de novembro de 2006

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JOSÉ ROBERTO TORERO

Zé Cabala e o homem da salsicha

O Major da Cavalaria fala sobre seu começo no futebol, da origem de seu apelido e de sua carreira de artilheiro

LOGO QUE cheguei à casa de Zé Cabala, fui direto ao assunto: "Preciso de uma entrevista internacional!".
O mestre dos mestres coçou seu turbante e disse: "Para isso preciso de uma concentração especial".
Então foi até seu fogão, cozinhou duas salsichas, colocou-as num pão e, enquanto dava giros pela sala, ia dando mordidas em seu cachorro-quente. Quando finalmente acabou de comer, parou de girar e disse: "Muito prazer, meu nome é Ferenc. Ferenc Puskas."
"Muito prazer, senhor Puskas. Vamos começar pelo começo..."
"Bem, estreei no Kispest de Budapeste em 1943, aos 16 anos. Eu usava o menor uniforme do time, mas mesmo assim ficava grande."
"O seu pai também foi jogador, não é?"
"Foi. E ele também era chamado de Puskas. Por isso o meu apelido ficou sendo Öcsi, que quer dizer Júnior. Mas papai não teve muito sucesso. Tanto que a gente morava numa quitinete. Mas tudo bem, porque eu passava o dia todo jogando bola num pátio ali perto. Às vezes nem aparecia para almoçar. Então, quando eu chegava em casa, comia salsicha com pão. Sempre gostei muito de salsicha."
"De onde veio o apelido Major da Cavalaria?" "O Kispest, em 1948, tornou-se um time do Exército e passou a se chamar Honved. E os jogadores ganharam patentes de Exército."
"Qual o pior momento de sua carreira?"
"A final da Copa de 1954, é claro.
Éramos os francos favoritos e começamos ganhando da Alemanha por 2 a 0. Mas perdemos de virada: 3 a 2. E pensar que havia quatro anos ninguém ganhava da gente..."
"Como foi sua saída da Hungria?"
"Em 1956, quando eu estava fazendo uns jogos pela Europa, chegou a notícia de que a União Soviética tinha invadido a Hungria. Decidi não voltar mais. E a Fifa me suspendeu por um ano e meio."
"E depois da suspensão o senhor foi para o Real Madrid?"
"Isso. Mas foi um recomeço difícil. Estava com uma úlcera no estômago, já tinha 30 anos e pesava 18 quilos acima do meu normal. Muita salsicha, sabe? Nas primeiras seis semanas, para perder gordura, treinava sozinho, correndo com meias grossas, duas calças e cinco camisas.
Também só comia frutas e vegetais e não tocava numa gota de álcool.
Mesmo assim, comecei jogando mal. Mas com o tempo fui melhorando e acabei quatro vezes artilheiro do Campeonato Espanhol."
"Qual a sua melhor lembrança desses tempos?"
"A final da copa européia de 1960. Vencemos o Eintracht de Frankfurt por 7 a 3, e eu marquei quatro gols."
"O senhor foi um grande artilheiro!"
"Foram 1.176 gols em 1.300 jogos.
Se não tivesse parado aqueles 18 meses, podia ter feito mais gols que o Pelé." "Em 62, o senhor se naturalizou e jogou a Copa pela Espanha, não é?"
"É. Mas caímos logo. Poderíamos ter ido melhor se não fôssemos roubados contra o Brasil. Não deram aquele pênalti do Nilton Santos, em que ele deu dois passos e ainda ficou em cima da linha. Uma vergonha!"
"Quando o senhor se aposentou?"
"Em 1967. Aí entrei no negócio de salsicha, mas me dei mal e decidi ser técnico. Fui vice-campeão europeu com o Panathinaikos, da Grécia."
"Quando voltou para a Hungria?"
"Tentei voltar em 1976, para o enterro de minha mãe, mas não deixaram. Mas em 1993 consegui me mudar para lá. Desde 2000 eu estava internado, com mal de Alzheimer, num hospital em Budapeste. Daqui a uns dias, em 9 de dezembro, serei enterrado. É como diz o velho ditado: "Do pó viemos, ao pó voltaremos". Mas, entre uma coisa e outra, eu me diverti um bocado."


torero@uol.com.br

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