São Paulo, sexta-feira, 23 de novembro de 2007

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XICO SÁ

Nas margens plácidas


Entorno de Brasil x Uruguai explicitou a diferença social no país, com pretos no campo para os com-rolex ver


AMIGO TORCEDOR , amigo secador, não damos lá muita bola para esta marmota chamada seleção brasileira, mas um espectro ronda os estádios quando a canarinha joga. A dita ""elite branca", o movimento dos com-rolex, prevalece. Ao final, o ritual separatista da festa VIP deixa tudo mais explícito ainda.
Na quarta no Morumbi, a impressão, como me alertou El Terron, velho camarada mato-grossense, era a de que, em plena semana da Consciência Negra, só havia pretos no gramado. Essa é a tendência em jogos caríssimos e repletos de promoções de firmas que levam os bacanas a rodo. Com a seleção em campo, a noção da praça democrática vai para o buraco. Achar um negro ou branco miserável nas arquibancadas é quase um milagre para um câmera. A Copa de 2014, com ingressos pelas alturas, corre o risco de repetir essa mesma farsa. Uma Copa no Brasil para turistas e playboys brasucas.
Não que a massa tenha perdido grandes coisas. Pelo futebolzinho amarelo que estamos vendo, ficar em casa pode ser até uma bênção divina. Pena que o Uruguai tenha deixado escapar o triunfo que parecia tingir de celeste os céus. ""El loco" Abreu poderia ter cravado o segundo, don Lugano merecia este épico, presente de Natal para todos nós secadores convictos.
O único selecionado que empolga nestas eliminatórias, convenhamos, é mesmo o paraguaio, o escrete de Cabañas está jogando o fino. Soy Paraguai desde niño, mi corazón atravessou, há muito, a Ponte da Amizade e se entregou, com uma guarânia ao fundo, aos caprichos de uma chica do Lago Azul de Ypacarai. Amigo, além da ""rolexização" do Morumbi no jogo do Brasil, outra nota triste da semana é a queda do Santa Cruz para a Terceirona. Os tricolores estão inconformados, Recife está triste, o Capibaribe, cão sem pluma, arrasta-se lerdo e chora pelos olhos dos seus últimos peixes.
""Eu hoje acordei quase sem acreditar, quase sem querer. No caminho para as primeiras obrigações da semana, nenhum tricolor de bicicleta. A cidade parecia silenciosa. Pensei no choro de Léo, que eu nem vi. Imaginei o choro de tantos outros", escreveu Emília Miranda, torcedora fanática, no blog do Santinha, uma das mais inventivas páginas de torcedores na internet. O Santa de tantas conquistas, vitimado pela incompetência óbvia dos cartolas, desce ao inferno ludopédico para encontrar os gloriosos Asas de Arapiraca da vida. Também, amigo, não é desonra. É do jogo. Eu diria até que só há dignidade hoje na várzea. E você, amigo Samarone Lima, ainda vai ter a chance de ver o clássico dos seus sonhos: o seu Icasa, de Juazeiro do Norte, jogando no Arruda contra a sua paixão vermelha, preta e branca. Com um jogo desses, qualquer sanfoneiro encachaçado vira um Carlos Gardel de primeira.
Sim, Inácio França, tem beleza nos momentos extremos como esse: o seu texto ""Por uma nova ordem coral", no blog do Santinha, é digno dos tempos dos confederados de Frei Caneca. Para compensar a tristeza recifense, Acosta deve ser eleito, se houver justiça aqui na terra, o craque do Brasileiro. O uruguaio, Zidane dos Aflitos, merece. Sim, tem Rogério Ceni, mas não vale. O goleiro é hours-concours, não deveria nem constar da gincana.

xico.folha@uol.com.br


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