São Paulo, domingo, 23 de novembro de 2008

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Palestra é eldorado para atletas

Cachês de até R$ 100 mil atraem esportistas para eventos motivacionais promovidos por empresas

Apesar da diversidade de palestrantes, conteúdo das conferências pouco muda e relaciona vida no esporte com valores corporativos

CAROLINA ARAÚJO
DA REPORTAGEM LOCAL

"Sou pequena, mas tenho 16 anos de profissão e posso passar muita experiência de vida para vocês", afirmou a ginasta Laís Souza, 19, depois de se definir "um pouco nervosa" em sua estréia como palestrante.
Na meia hora em que enfrentou cerca de 70 engravatados em um auditório na zona sul de São Paulo, a ginasta cumpriu o que fora ensaiado com assessores durante duas semanas.
Falou sobre a carreira, interagiu com a platéia e encerrou com o que disse ser seu lema: "Não importa quantas vezes você cai, mas quantas vezes você levanta após a queda".
Laís é mais uma atleta que ingressa no mercado de palestras motivacionais para o mundo corporativo, em que personalidades -do técnico Zé Roberto Guimarães à cestinha Hortência, do nadador Lucas Salatta ao piloto Luciano Burti- tentam transformar experiência no esporte em fonte de renda.
O cachê normalmente flutua entre R$ 3.000 e R$ 50 mil, dependendo da popularidade e experiência do atleta. Mas palestrantes considerados "top", como os técnicos Bernardinho e Felipão, recebem até R$ 100 mil por evento, segundo empresas de marketing esportivo.
A procura por conferencistas do esporte é estimulada pela exposição dos atletas na mídia. "Eles têm mais apelo. São ídolos que as pessoas querem conhecer", afirmou Renato Chvindelman, da Arena.
Esportistas também são associados à noção de credibilidade. "O público acompanha as conquistas e comprova que os conselhos deles funcionam na prática", afirma Melissa Andreu, da Galeria de Esportes.
Para mostrar ao público que o caminho para o sucesso é semelhante nos ambientes esportivo e corporativo, o conteúdo das palestras motivacionais pouco muda, apesar da diversidade de atletas que se arriscam como conferencistas.
Analogias entre esporte e negócios são exaustivamente repetidas: vitórias são comparadas ao alcance de metas e adversários, à concorrência.
O que varia é o estilo do conferencista. Há quem invente teorias, como o técnico Bernardinho, que criou o conceito de "roda da excelência" para explicar seu sucesso nas quadras.
O mais comum, porém, é usar a própria história como exemplo de sucesso. O ex-jogador de basquete Oscar Schmidt, como vários outros atletas, fundamenta sua apresentação em "causos" da sua carreira.
Em clima informal, o ex-cestinha encena situações, conta piadas e não economiza em palavrões. "Eliminei meus vícios de linguagem, mas deixei os palavrões porque fazem parte do esporte coletivo", justifica.
Palestrante desde 1996, Oscar participa de 10 a 20 eventos por mês. "Fico muito feliz porque, contando a minha própria história, faço as pessoas rirem e até chorarem de emoção", acredita o ex-jogador.
Waldemar Niclevicz é outro veterano. Primeiro brasileiro a chegar ao topo do monte Everest, em 1995, o alpinista faz conferências desde os anos 90 e diz que o cachê e a venda dos dois livros que escreveu servem para financiar suas expedições.
"Qual é o seu Everest? É a integração energética da América Latina?", perguntou Niclevicz para cerca de 150 profissionais do setor elétrico que participavam de uma feira em São Paulo.
O alpinista defendeu, em sua palestra, que "todos nós temos uma montanha, um desafio para escalar". Em meio a fotos de suas façanhas, pediu que a platéia "lute, como um verdadeiro alpinista, para chegar ao topo da montanha na sua profissão".
As frases de efeito, quando não são próprias, podem ser emprestadas. Na apresentação de slides da bandeirinha Ana Paula Oliveira, a frase "A persistência é o caminho do êxito", atribuída a Charlie Chaplin, dividia espaço com a capa do ensaio que a assistente fez para a revista "Playboy", em 2007.
E a auto-ajuda não parou em Chaplin. "Oportunidade é diferente de oportunismo. Temos que achar nossas oportunidades sem sermos oportunistas", recomendou Ana Paula, que, no final da sua apresentação, deixou o palco aplaudida de pé.
As palmas não significam o fim da tarefa para os conferencistas do esporte. Quando o evento acaba, palestrantes voltam a ser atletas e colaboradores do mundo corporativo, fãs. E a missão só estará cumprida após serem atendidos os vários pedidos por fotos e autógrafos.


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