São Paulo, terça-feira, 23 de dezembro de 2008

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JOSÉ ROBERTO TORERO

Zé Cabala e o Negão Motora


Alcino Neves, grande ídolo do Remo, teve vida de rico, com direito a gol e vitória sobre o Mengo de Zico no Maracanã

QUANDO CHEGUEI ao bangalô de Zé Cabala, a cabine telefônica das almas, a lan house dos desencarnados, ele foi logo perguntando:
"Quem você quer entrevistar?"
"Deixo à sua escolha, mestre."
Ele se concentrou por um instante e logo depois começou a dar passos iguais aos de John Travolta em "Embalos de sábado à noite".
Depois de fazer o número final de Tony Manero, ele finalmente sentou-se e disse: "Alcino Neves dos Santos Filho, às suas ordens."
"Alcino Neves...?"
"Eu era mais conhecido como Negão Motora."
"Ah, claro!", exclamei. "O grande ídolo do Remo!"
"O próprio."
"Agora eu entendi esses seus passos de John Travolta."
"É, teve um caso famoso. Fiquei dançando a noite toda na boate Papa Jimmy, o point lá em Belém nos anos 70, e quando cheguei ao estádio pedi para tirar uma soneca antes do jogo. Eu e o Paulo Amaral, o técnico, tivemos um tremendo arranca-rabo. Mas, no fim das contas, entrei em campo e fiz dois gols. Comemorei abraçando o Paulo Amaral."
"Vocês viviam às turras, não é?" "Claro! Ele queria que eu treinasse, chegasse no horário, parasse com a bebida, com as mulheres... Assim não dá. Não ia desperdiçar o meu um metro e 94 na concentração."
"A torcida do Paysandu não gostava muito do senhor, não é?"
"He, he, me odiavam! Também, não é culpa deles. Eu provocava mesmo. Teve uma vez que sentei em cima da bola antes de marcar o gol. E depois abaixei as calças e mostrei meu pirulito para eles. Fui expulso.
O juiz deve ter ficado com inveja."
"E este apelido, de onde vem?"
"O Negão é porque eu sou negão.
O Motora é um caso engraçado. A gente ia fazer um jogo contra o Rio Negro, de Manaus, e eu roubei o ônibus do time. Saí dirigindo pela cidade com o time todo dentro do ônibus. E atropelei um bêbado. Daí veio o Motora. É de motorista, he, he."
"Parece que o senhor não gostava muito de jogar no Rio de Janeiro."
"É que na minha juventude, lá no Rio, eu participei de um assalto, e morria de medo de ser preso. Mas depois dei um jeito. E até fiz um jogo inesquecível no Maracanã. Até lembro do dia: 25 de outubro de 1975.
Contra o Mengo de Zico e Júnior.
Estava 1 a 1. Então eu driblei três e mandei a bola para dentro. Ah, bons tempos em que o meu Remo ganhava do Flamengo no Maracanã..."
""A sua vida foi uma festa, não foi?"
"Tive uma vida de rico, porque rico não é o que tem, é o que gasta, e eu gastei tudo."
"Mas seu fim foi um pouco triste, não é?"
"Todo fim é triste. Eu acabei vivendo de favor num sítio em Ananindeua, lá no Pará. De vez em quando ia até Belém e pedia um dinheiro aqui, outro ali. Morri em 2006, de câncer generalizado. Foram só 55 anos, mas foram bem vividos. Uma farra!"
"Nenhuma mágoa?"
"Só uma. No meu enterro, a bandeira do Remo era muito pequena. Compraram de um camelô no caminho do cemitério. O clube podia ter mandado uma maior. E estava todo mundo muito triste. Podia ter tido uma bebidinha, umas mulheres..."

torero@uol.com.br


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