São Paulo, domingo, 24 de maio de 2009

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País do futebol?

Porrada família

Em Fortaleza, donas de casa, adolescentes e até crianças de colo ajudam a lotar ginásios para assistir a show de pancadaria

EDUARDO OHATA
ENVIADO ESPECIAL A FORTALEZA

Enquanto aguardam a liberação para a entrada do público, famílias inteiras discutem animadamente suas expectativas sobre o espetáculo que presenciarão em poucos momentos.
Alguns pais levam nos braços crianças de colo que não entendem a intensa movimentação que acontece ao seu redor.
Acompanhada do marido, Glécia, grávida de seis meses, conta, enquanto acaricia sua barriga, que se interessou por influência do marido, Leandro.
A empresária Vera Soares, 48, diz que o show não a agrada. Ela explica que deixará o filho, Marcelo, 12, na fila e, mais tarde, retornará para buscá-lo.
""Vou deixá-lo com eles", informa, enquanto aponta para grupo de pessoas que acabara de conhecer na fila. ""No ano passado, minha irmã o levou a um evento. Entrei, vi o número de seguranças, o ambiente tranquilo. Ele ficará seguro."
O público não aguardava um show de música pop, tampouco a vaquejada, atração que disputava a atenção na capital cearense no fim de semana.
Uma faixa nos portões do ginásio anunciava: ""Vale-Tudo", a luta que permite socos, chutes e técnicas de solo (como no jiu-jítsu e no judô). E cujos organizadores procuram distanciar sua imagem das brigas de rua e violentas rixas entre academias. Apesar da faixa.
""Antigamente havia rivalidade entre academias, o que afastava o público, e também confronto entre torcedores. Agora é mais profissional", argumenta Amauri Bitetti, que participou do UFC (maior evento da modalidade) em seus primórdios e hoje organiza combates.
Além do Jungle Fight, principal torneio de vale-tudo do país, que teve sua última edição acompanhada pela Folha, há duas semanas, no Ceará são disputados outros eventos.
Mas não reúnem o público de 7.000 pessoas do Jungle Fight, o dobro do que atraem certas partidas do Fortaleza, campeão estadual de futebol.
No interior do ginásio Paulo Sarasate, havia spots de luz e música hip hop em volume altíssimo. E, de um fundo negro, envolto por gelo seco, saíam os lutadores e seu entourage, que percorriam uma passarela para chegar à área dos duelos.
Se o cenário era de show e balada, a reação do público não poderia ter sido mais adequado. Jovens mulheres, com latinhas de cerveja nas mãos, frequentemente nem davam bola para as lutas. Preferiam arriscar passos de dança ao som das músicas que acompanhavam as apresentações dos lutadores.
Nas arquibancadas, fãs faziam coreografias em grupos.
Com a aparência frágil, cabelo adornado com xuquinhas coloridas e pulseirinhas nos braços, Lila Ribeiro, 13, vibrava.
""Na escola, falam que [vale- -tudo] não é de menina, que é perigoso. Mas eu gosto", conta.
O centro do ginásio abriga a jaula em formato de octógono, que replica a arena do Ultimate Fighting Championship, mais bem-sucedida promoção da modalidade hoje. Faz parte da dramaticidade. Afinal, são, em suas próprias palavras, ""gladiadores do futuro". Ou seja, respeitam algumas regras.
A discrepância entre as realidades da promoção nacional e a americana começa pelos ingressos. O mais barato da centésima edição do UFC, em julho, no hotel-cassino Mandalay Bay, em Las Vegas (EUA), custa US$ 250 (cerca de R$ 500). Os preços dos ingressos do Jungle Fight iam de R$ 15 a R$ 60.
Adolescentes tiravam, com seus celulares, fotos em grupo em frente ao octógono. Empolgados, com os punhos cerrados, simulando ser lutadores.
O anunciador de ringue se mostrou desinformado. Por três vezes pediu palmas para ""Minotouro". Entretanto quem era homenageado naquele momento era ""Minotauro", irmão de ""Minotouro".
E, ao anunciar a vitória de um lutador, inventou o ""nocaute por submissão" (ou você vence de uma forma ou por outra). Não que tenha feito diferença para os fãs. Alguns diziam saber ""muito" de vale-tudo. Mas, quando questionados sobre os atletas da programação, admitiam que só conheciam o ""Minotouro" e ""um cearense que não lembro o nome".
Enquanto rolavam as preliminares, muitos fãs se posicionavam de costas para o octógono para fotos. Apenas a luta de fundo mereceu a atenção total.
Aproveitando que o holandês Dion Staring entra no octógono de boina e uniforme de soldado, selecionaram para acompanhar sua entrada música do filme ""Tropa de Elite".
Durante os intervalos entre os assaltos, não raro as garotas do ringue provocavam reação mais forte do que muitas preliminares. O público feminino não achava ruim. Ao contrário, dava risadas ao ouvir os gritos e os assobios dos homens.
Além de calças bem apertadas e tops de tigrinho, muitas usavam saias que mostravam generosas porções das pernas.
Transitavam entre membros de academias, tal qual um com visual lenhador, careca, com camiseta quadriculada, sem manga, meio aberta para deixar à mostra os seus músculos.
Afinal, como definiu Wallid Ismail, organizador da programação, enquanto gesticulava em direção às arquibancadas: ""Isto aqui é entretenimento".


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