São Paulo, quinta-feira, 24 de junho de 2010

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PASQUALE CIPRO NETO

Sob o olhar de Pessoa


Em Durban, onde viveu o poeta, Brasil e Portugal voltam a duelar numa Copa, após 44 anos


HÁ ALGUMAS coincidências entre esta Copa e a de 1966. Uma delas diz respeito ao Grupo A: três de seus quatro integrantes (México, França e Uruguai) estavam num mesmo grupo em 66. Que grupo? O A, ou melhor, o 1 (denominação adotada em 66).
Outra coincidência: Portugal e Coreia do Norte voltaram a se enfrentar, 44 anos depois. Na Copa de 66, disputada por apenas 16 nações, os dois países se enfrentaram nas quartas de final (5 a 3 para Portugal, de virada -3 a 0 no primeiro tempo).
Mais uma coincidência: na primeira fase de 66, Portugal e Brasil integraram o mesmo grupo, o que também ocorre nesta Copa. Tanto em 2010 quanto em 66, Brasil e Portugal se enfrentaram na última rodada, com uma diferença: em 66, o Brasil não podia perder; amanhã, até pode.
Para nós, o jogo de 66 foi lamentável, sob todos os aspectos. A seleção era o mais acabado exemplo de desorganização, dentro e fora do campo. Além disso, Portugal bateu à vontade (o zagueiro Vicente literalmente caçou Pelé, com a devida complacência do inglês G. McCabe, um banana).
Quis o destino que, 44 anos depois, Brasil e Portugal voltassem a se enfrentar numa Copa e num lugar particularmente importante para a lusofonia: Durban, onde Fernando Pessoa viveu de 1896 a 1905. Pessoa, que nasceu em 1888, foi para lá com a mãe e o padrasto, cônsul de Portugal.
Em Durban, Pessoa aprendeu muito bem o inglês, língua na qual acabou escrevendo vários textos, inclusive a última frase, no leito de morte. Mas foi em português que ele escreveu estas taxativas palavras, num texto polêmico: "Não tenho sentimento nenhum político ou social. Tenho, porém, num sentido, um alto sentimento patriótico. Minha pátria é a língua portuguesa".
Pois bem. Se a pátria de Fernando Pessoa era a língua portuguesa, para quem torceria o grande poeta amanhã, justamente quando se enfrentam, logo em Durban, o país "pai" da língua portuguesa e um dos países "filhos", que herdou essa língua e dela se tornou seu maior usuário e difusor?
Atrevo-me a imaginar que, fiel a seu "patriotismo", Fernando Pessoa torceria para que Brasil e Portugal fossem adiante na competição e voltassem a se enfrentar na final, que, para o poeta, terminaria empatada, ao fim dos 90 e dos 120. E nos pênaltis? Isso já não é com a poesia. É com a insensibilidade de quem inventou essa bobagem. Afinal, futebol é uma coisa; pênalti é outra. É isso.


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