São Paulo, sábado, 24 de julho de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

RITA SIZA

Uma Volta pouco ética


Para a história da competição, o provável triunfo de Contador devia vir com um asterisco


ATERREI EM São Paulo no início da semana e, logo à saída de Guarulhos, dei de caras com um grupo de quatro atletas, equipados a rigor, num treino em bicicleta na berma da estrada. "Que coincidência", pensei eu, que, antes da partida de Portugal, andava obcecada a seguir o Tour de France.
Só que São Paulo é uma cidade tão grande e tão cheia de solicitações que a minha obsessão não durou muito. É um fenómeno curioso: o ciclismo não empolga uma torcida da mesma maneira que outros esportes -eu cá nunca presenciei nenhuma discussão mais esquentada no café por causa de uma prova de contrarrelógio ou uma subida especial de montanha.
Mas, quando chega a Volta à França, de repente não há quem não fique entusiasmadíssimo a assistir àquela centena de homens em bicicleta, pelas lindas paisagens francesas.
Consegui na quinta-feira, dia especial da prova de ciclismo, com a subida do Col du Tourmalet, voltar a interessar-me pela competição.
Foi então que me apercebi do que perdera em tão poucos dias: num dramático e controverso ataque, o espanhol Alberto Contador, do time Astana, aproveitou que o seu rival direto, o luxemburguês Andy Schleck, do Saxo Bank, estava parado por causa de um problema mecânico na correia da sua bicicleta, para aumentar o ritmo e catapultar-se para a liderança.
Respeitar as pausas mecânicas é uma das regras não escritas do ciclismo que todos os atletas conhecem e respeitam. Existem muitas outras: não atacar o adversário quando este vai se abastecer de comida ou quando a natureza chama e ele para para se aliviar (os franceses deram-lhe o nome de "pause pipi"). Neste Tour, já aconteceram todas estas sacanagens -o Team Sky atacou quando o pelotão estava a alimentar-se e, de vingança, foi deixado para trás numa das pausas para pipi.
A diferença é que nenhuma dessas transgressões implicou a vitória final de um dos competidores. Com uma vantagem de oito segundos, apenas um cataclismo pode impedir o espanhol Alberto Contador de levantar o troféu do Tour de France amanhã, em Paris.
Para a história da Volta, vai ficar registado o triunfo número três de Contador. Mas ele devia vir com um asterisco. No ciclismo, onde já desde o século 19 a batota existe sobre a forma de doping (uma praga que nenhuma campanha conseguiu jamais erradicar), a competição leal assenta nessas regras éticas informais.
Infelizmente, essa já é a única forma de distinção entre uma vitória honrada e outra menos limpa.


Texto Anterior: Jade obtém aval médico para voltar à seleção
Próximo Texto: No auge, Bellucci encara impasse
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.