São Paulo, domingo, 24 de julho de 2011

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Caos aéreo

Perto de se tornar patrocinadora da seleção, TAM propôs vender a Ricardo Teixeira um jato novo, aceitando como parte do pagamento um usado que já era dela, em uma negociação complexa e confusa

ELVIRA LOBATO
DO RIO
JULIO WIZIACK
DE SÃO PAULO

Dois meses antes de se tornar patrocinador da seleção, o grupo TAM propôs vender a Ricardo Teixeira, presidente da CBF, um jato particular novo de US$ 12,5 milhões.
Como parte do pagamento, Teixeira daria um avião usado, o Cessna de prefixo PT-XIB, que entraria no negócio por US$ 7,9 milhões. O avião novo seria entregue no primeiro trimestre de 2009.
O negócio seria comum se Teixeira fosse dono do avião usado. Mas, naquela ocasião, a aeronave pertencia à fabricante Cessna, que a TAM representa no Brasil.
Em maio, quando a TAM fechou patrocínio com a CBF, a TAM Táxi Aéreo foi autorizada pela direção da companhia a comprar o avião.
Não entendeu? De novo: às vésperas de se tornar patrocinadora da seleção, a TAM propôs vender a Teixeira uma aeronave zero, aceitando o jato usado PT-XIB, pertencente à própria TAM, como parte do pagamento.
Os destinos seguintes do avião parecem ter sido traçados para deixar a história bem confusa. Teixeira não ficou com a aeronave nova, e a TAM vendeu o PT-XIB para a empresa Brasil 100% Marketing. O valor não foi revelado.
A Brasil 100% Marketing pertence a amigos de Teixeira. Um é o executivo financeiro Cláudio Honigman. O outro, Sandro Rosell, sócio da mulher de Teixeira na Habitat Brasil Empreendimentos Imobiliários e também sócio de Honigman na mesma Brasil 100% Marketing.
Rosell é presidente do Barcelona, vive na Espanha e raramente vem ao Brasil. Suas empresas aqui são administradas por representantes.
Foi Rosell quem fechou o contrato de patrocínio entre a CBF e a Nike, em 1996, quando ele era diretor da companhia no Brasil. O contrato foi investigado em uma CPI, arquivada em 2001.
Em julho de 2008, Honigman fez acordo com Rosell.
No contrato, Honigman se comprometeu a transferir o PT-XIB da Brasil 100% Marketing para outra empresa de Rosell no Brasil, chamada Ailanto Marketing. Preço: R$ 8 milhões (equivalente na ocasião a US$ 4 milhões).
Em novembro, a Ailanto foi contratada pelo ex-governador do Distrito Federal José Roberto Arruda para organizar o amistoso entre as seleções do Brasil e de Portugal que marcou a inauguração do estádio Bezerrão. Foram pagos R$ 9 milhões à Ailanto.
A contratação fez o Ministério Público Estadual mover uma ação civil pública sob suspeita de superfaturamento e outras irregularidades. Até hoje, as autoridades públicas tentam reaver a verba.

SEM REGISTRO
Já com a Ailanto, o avião Cessna PT-XIB foi registrado em nome da companhia somente em agosto de 2009, segundo a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil).
A venda, ainda segundo a agência, ocorreu por R$ 17,8 milhões, R$ 9,8 milhões acima do valor que o próprio Rosell disse a Honigman que pagaria pela aeronave.
A conta não fechou?
Tem mais. Três meses após o registro na Anac, a Ailanto vendeu esse avião para uma empresa chamada Beydoun International Intermediação de Negócios por US$ 4 milhões (o equivalente na ocasião a R$ 7,2 milhões).
Curiosamente, dois meses mais tarde, Rui Thomaz de Aquino, então presidente da TAM Táxi Aéreo, tornou-se sócio da Beydoun. Foi ele quem assinou a proposta de troca de avião enviada a Teixeira em março de 2007.
A Folha apurou que Teixeira continua usando o PT-XIB em viagens pelo Brasil.

E DAÍ?
É difícil entender a história. Afinal, à primeira vista, Teixeira só recebeu uma proposta comercial e jamais teve avião registrado em seu nome. Para a TAM, seria um negócio como outro qualquer.
O estranho é que, além de aceitar como parte do pagamento um avião que já era seu, a TAM efetuou um negócio muito acima do valor de mercado, registrando provavelmente o maior desempenho em uma venda na história do setor. Também estranho é a TAM se recusar a explicar essa transação alegando confidencialidade.
A Folha consultou advogados e especialistas que fazem esse tipo de operação para grandes empresários.
Eles levantaram o histórico de mercado da aeronave PT-XIB (como horas voadas, por exemplo) a pedido da reportagem e verificaram que, em março de 2007, não valia mais que US$ 3 milhões, o equivalente a R$ 6 milhões.
O próprio Rosell afirmou em contrato assinado com Honigman que pagaria R$ 8 milhões no mesmo PT-XIB.
Por que, então, ele aceitou pagar R$ 17,8 milhões? E por que vendeu o avião, três meses depois de registrá-lo na Anac, por R$ 7,2 milhões? Assumiu um prejuízo? Onde foi parar a diferença?
Além de tudo, há um paraíso fiscal nessa história. A TAM poderia ter comprado o jato direto da Cessna. Mas, antes de ser vendido para a empresa de Rosell, o PT-XIB foi vendido pela Cessna a uma empresa chamada Owen Enterprises LLC, que, por sua vez, vendeu-o à TAM.
A TAM, aliás, é a representante da Cessna no Brasil. A sede da Owen fica em Delaware, Estado americano cuja legislação é semelhante à de um paraíso fiscal. Ou seja: é praticamente impossível saber quem é o dono da empresa e os negócios que realiza.


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