São Paulo, quinta-feira, 24 de agosto de 2000


Envie esta notícia por e-mail para
assinantes do UOL ou da Folha
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

FUTEBOL
Romário não é mais dúvida

SONINHA
COLUNISTA DA FOLHA

Depois de muitos anos de discussão (há quantas Copas ele é assunto?), Romário não é mais uma dúvida na seleção brasileira, é uma certeza.
Ou melhor, duas certezas.
Por parte do Wanderley Luxemburgo e da comissão técnica, a certeza de que ele não vai à Olimpíada; por parte da torcida brasileira, a convicção de que ele seria indispensável para a conquista do tal "título inédito".
As vozes a favor da convocação do Romário para Sydney são muito mais audíveis do que os votos a favor de Luxemburgo.
O próprio Romário, compungido, com o ar abatido de sempre (por que ele nunca parece feliz?), confirmou a vontade de disputar a Olimpíada. Salas, do Chile, dispensou a glória; Rivaldo confessou-se aliviado por não participar (e eu acredito na sua sinceridade -na má fase em que está, não podia correr o risco de ser responsabilizado por mais um fracasso).
Já Romário, campeão mundial, ídolo no Brasil e no exterior, não teve a menor vergonha de apelar por uma vaga (e eu também acredito na sinceridade do seu apelo).
Em campo, ele tem feito por merecer. Fora de campo, aparentemente, também não tem feito nada para desmerecer a confiança do técnico tão cioso da moral e dos bons costumes.
Por mim, Romário seria o único velhinho convocado para Sydney: pelo que está jogando agora, pelo que representa para o futebol brasileiro e para o futebol no mundo, pelo fato de serem remotas as suas chances de disputar outra Copa e pelo empenho que ele certamente teria em honrar mais uma vez a camisa 11 amarelinha.
Na Copa de 98, muitas vezes desconfiei da sua postura, algo irresponsável e quase soberba, quando ele estava (teoricamente) tentando se recuperar de sua contusão. Parecia tranquilo demais, desencanado demais para quem enfrentava problema tão delicado. Concordei com as razões da comissão técnica, que duvidou da sua recuperação a tempo; mesmo assim, lamentei a sua saída.
Se Romário, mesmo "baleado", fosse mantido, poderia ter sido um catalisador de esforços, uma fagulha de incentivo e um recurso valioso do qual lançar mão no segundo tempo de um jogo medíocre. Gostando dele ou não (e ele dá motivos para não gostarem dele porque tumultua, divide, provoca), Romário já é um mito.
Por que Luxemburgo não vai levá-lo para Sydney? Primeiro, porque tem mesmo um grupo muito bom e entrosado. Ele já deve ter sofrido para cortar o Leandro, por exemplo, um belo jogador que teve muito pouco tempo na seleção para provar que merecia estar ali.
Em segundo lugar, porque outros países não vão levar jogadores maiores de 23 anos. A presença do Romário poderia tanto significar uma covardia (e empanar o brilho de uma eventual conquista) quanto desagradar à Fifa (que ridiculamente acha que a Olimpíada ameaça o prestígio e o faturamento da Copa).
Por outro lado, se o Brasil levasse o Romário e não conquistasse o ouro, a situação de Luxemburgo talvez ficasse ainda mais complicada (se é que isso é possível).
No ponto em que ele está agora, insistindo em não levar Romário, ele se enquadra na descrição de "teimoso, implicante e intransigente". Se, por outro lado, concordasse em levar Romário e cortar alguém por causa disso, ele seria acusado mais uma vez (como tem sido, com mil motivos) de não saber o que quer, de não ter poder de decisão e de se curvar a todo tipo de pressões (da CBF, da Nike, da imprensa e da torcida).
Ninguém mandou querer ser técnico da seleção brasileira... São as agruras do cargo. Eu também adoraria me sentar na arquibancada e simplesmente gritar pelo meu time, mas às vezes ele está jogando num estádio e eu sou obrigada a ver um jogo em outro.
Sou odiada por quem mal me conhece. Já fui até votada no site Ovoneles, como descobri por meio da Vascãonet. São os "ovos do ofício" (desculpe).
A situação não é irreversível, mas Luxemburgo precisaria de um pretexto para incluir Romário. Espero que não esteja torcendo pela contusão de alguém.
Deixo aqui minha modesta sugestão: esse grupo de 18 jogadores é muito bom, e gosto muito dos atacantes. Mas será que a gente precisa mesmo levar o Mozart?
Já que falamos tanto de Romário, é excelente a sua iniciativa de levar a Fundação Romarinho a Itabira (MG). Uma amiga minha, cética, disse: "Como ele pretende formar cidadãos? Ele precisava primeiro dar o exemplo!". Esse é um bom começo...
É comovente olhar para o rosto muito sério e esperançoso daqueles meninos. Talvez eles sonhem com Ferraris, coberturas na Barra e glórias pelo mundo, mas tenho certeza de que se eles pudessem ao menos viver de futebol e se cobrir de glórias na vizinhança, poderiam ser mais felizes. Esse é um emprego que não custa quase nada ao mundo: a possibilidade de jogar bola e encantar alguém.
E-mail soninha.folha@uol.com.br


Texto Anterior: Futebol nacional: Dia-a-dia dos clubes
Próximo Texto: Agenda
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.